terça-feira, 21 de abril de 2015

Histórias de Amor José Cardoso Pires. «Mas acabam por equivaler-se os dois dramas: instintivo um, sublimado o outro, ambos vêm a demonstrar-se inconsequentes em si mesmo e sem solução real e efectiva, impasse este de que procurou libertar-se a odisseia…»

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«Falando de amor como objecto de literatura, falo por certo de Lawrence, mergulhado na teia freudiana das majestosas triangular love stories que nos legou, solitário na sua condição de homem-de-elite e sofrendo toda a amargura do isolamento que nele e à sua volta reina. Desdenhoso e mártir, recusa-se a ultrapassar o limite da justificações individuais e firma por isso nos signos de Édipo, nas intangíveis rotas do instinto ancestral, a raiz última do comportamento dos seus personagens. E f alo também de Gide, outro sinal da mesma latitude, patriarca da irrealidade feita, ainda, realidade particular: Tocando a tema e pousando nela apenas um pé nu, o mago Gide desfia as sentenças dum paganismo divinizado e entroniza Nathanael, esse filho pródigo de Werther, dogmático de candura e despido de sinceridade afectiva. Ousa, assim, descrever a oratória do idílio intemporal, a coberta duma visão limitada do tempo e dos fenómenos que a compõem. De intemporal que é, o amor dita intelectualizado de Nathanael queda-se numa suspensão latente sem aquela carga emotiva que vigora na libertação mítica da soledade de Constance de Chatterley, por exemplo.
Mas acabam por equivaler-se os dois dramas: instintivo um, sublimado o outro, ambos vêm a demonstrar-se inconsequentes em si mesmo e sem solução real e efectiva, impasse este de que procurou libertar-se a odisseia de Davíd H. Lawrence ao ensaiar uma ética do instinto ou, já em última análise, resignando-se a reduzir toda a luta a um entendimento inteligente da couple: Saibamos ao menos, disse ele, pensar sexualmente com inteligência e plenitude. - Recurso extreme, creio eu, de quem não pode já agir, pensando. Não me repugna aceitar que ao leitor a comparação possa parecer excessiva e descabida. Arrisco sublinhá-la, apesar de tudo, em vistas da grande marca que tanto Lawrence como Gide deixaram na literatura actual em que se erguem como magníficos e renovados pilares dos velhos cânones do amor. Se venho falar de ambos é porque cuido que o retorno a estes velhos princípios, mormente ao clássico triângulo sentimental e à consequente luta pela conquista da mulher, tende a alienar a verdadeira imagem do homem de hoje. Vida e força da temática de Lawrence, tal luta, se bem que na superfície antagónica da assexuada e metafísica especulação gideana, vem não obstante a confundir-se com ela num paralelo de igual latitude: o amor como razão primeira e última do homem». In José Cardoso Pires, Histórias de Amor, colecção Os Livros das Três Abelhas, Editorial Gleba, Lisboa, 1952, Arquivo Nacional da Torre do Tombo.

Cortesia E Gleba/JDACT