Nós Estamos num Estado Comparável à
Grécia
«Nós estamos
num estado comparável, correlativo à Grécia: mesma pobreza, mesma indignidade
política, mesmo abaixamento dos caracteres, mesma ladroagem pública, mesma
agiotagem, mesma decadência de espírito, mesma administração grotesca de
desleixo e de confusão. Nos livros estrangeiros, nas revistas, quando se quer
falar de um país católico e que pela sua decadência progressiva poderá vir a
ser riscado do mapa, citam-se ao par a Grécia e Portugal. Somente nós não temos
como a Grécia uma história gloriosa, a honra de ter criado uma religião, uma
literatura de modelo universal e o museu humano da beleza da arte». In Eça de Queirós, in 'Farpas (1872)'
O Que Verdadeiramente Mata Portugal
«O que
verdadeiramente nos mata, o que torna esta conjuntura inquietadora, cheia de
angústia, estrelada de luzes negras, quase lutuosa, é a desconfiança. O povo,
simples e bom, não confia nos homens que hoje tão espectaculosamente estão
meneando a púrpura de ministros; os ministros não confiam no parlamento, apesar
de o trazerem amaciado, acalentado com todas as doces cantigas de empregos,
rendosas conezias, pingues sinecuras; os eleitores não confiam nos seus
mandatários, porque lhes bradam em vão: Sede
honrados, e vêem-nos apesar disso adormecidos no seio ministerial; os
homens da oposição não confiam uns nos outros e vão para o ataque, deitando uns
aos outros, combatentes amigos, um turvo olhar de ameaça. Esta desconfiança
perpétua leva à confusão e à indiferença. O estado de expectativa e de demora
cansa os espíritos. Não se pressentem soluções nem resultados definitivos:
grandes torneios de palavras, discussões aparatosas e sonoras; o país, vendo os
mesmos homens pisarem o solo político, os mesmos ameaços de fisco, a mesma
gradativa decadência. A política, sem actos, sem factos, sem resultados, é
estéril e adormecedora. Quando numa crise se protraem as discussões, as
análises reflectidas, as lentas cogitações, o povo não tem garantias de
melhoramento nem o país esperanças de salvação. Nós não somos impacientes.
Sabemos que o nosso estado financeiro não se resolve em bem da pátria no espaço
de quarenta horas. Sabemos que um deficit
arreigado, inoculado, que é um vício nacional, que foi criado em muitos anos,
só em muitos anos será destruído. O que nos magoa é ver que só há energia e
actividade para aqueles actos que nos vão empobrecer e aniquilar; que só há
repouso, moleza, sono beatífico, para aquelas medidas fecundas que podiam vir
adoçar a aspereza do caminho. Trata-se
de votar impostos? Todo o mundo se agita, os governos preparam
relatórios longos, eruditos e de aprimorada forma; os seus áulicos afiam a
lâmina reluzente da sua argumentação para cortar os obstáculos eriçados: as
maiorias dispõem-se em concílios para jurar a uniformidade servil do voto.
Trata-se dum projecto de reforma económica, duma despesa a eliminar, dum bom melhoramento a consolidar?
Começam as discussões, crescendo em sonoridade e em lentidão, começam as
argumentações arrastadas, frouxas, que se estendem por meses, que se prendem a
todo o incidente e a toda a sorte de explicação frívola, e duram assim uma
eternidade ministerial, imensas e diáfanas. O país, que tem visto mil vezes a
repetição desta dolorosa comédia, está cansado: o poder anda num certo grupo de
homens privilegiados, que investiram aquele sacerdócio e que a ninguém mais
cedem as insígnias e o segredo dos oráculos. Repetimos as palavras que há pouco
Ricasoli dizia no parlamento italiano: A
pátria está fatigada de discussões estéreis, da fraqueza dos governos, da
perpétua mudança de pessoas e de programas novos». In Eça de Queirós, in 'Distrito de Évora'.
Política de Interesse
«Em Portugal
não há ciência de governar nem há ciência de organizar oposição. Falta
igualmente a aptidão, e o engenho, e o bom senso, e a moralidade, nestes dois
factos que constituem o movimento político das nações. A ciência de governar é
neste país uma habilidade, uma rotina de acaso, diversamente influenciada pela
paixão, pela inveja, pela intriga, pela vaidade, pela frivolidade e pelo
interesse. A política é uma arma, em todos os pontos revolta pelas vontades
contraditórias; ali dominam as más paixões; ali luta-se pela avidez do ganho ou
pelo gozo da vaidade; ali há a postergação dos princípios e o desprezo dos
sentimentos; ali há a abdicação de tudo o que o homem tem na alma de nobre, de
generoso, de grande, de racional e de justo; em volta daquela arena enxameiam
os aventureiros inteligentes, os grandes vaidosos, os especuladores ásperos; há
a tristeza e a miséria; dentro há a corrupção, o patrono, o privilégio. A
refrega é dura; combate-se, atraiçoa-se, brada-se, foge-se, destrói-se,
corrompe-se. Todos os desperdícios, todas as violências, todas as indignidades
se entrechocam ali com dor e com raiva. À escalada sobem todos os homens
inteligentes, nervosos, ambiciosos (...) todos querem penetrar na arena,
ambiciosos dos espectáculos cortesãos, ávidos de consideração e de dinheiro,
insaciáveis dos gozos da vaidade». In Eça
de Queiroz, in 'Distrito de Évora (1867)
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