quinta-feira, 30 de abril de 2015

A personagem do rei Pedro I. Na narrativa portuguesa do dealbar do século XXI. Pedro J. Rodrigues. «… segundo a qual ‘talvez’ Fernão Lopes já tivesse acesso a ‘uma lenda do rei justiceiro’, pelo que a imagem que aí colhemos do monarca estaria desde logo condicionada por um saber adquirido»

Cortesia de wikipedia e jdact

A figura do rei através dos documentos oficiais do seu reinado
«(…) Na opinião de Veríssimo Serrão, este aspecto liga-se a outros dois vectores significativos: à já referida itinerância e à defesa das populações que buscavam justiça ou protecção. São estas, afinal, as mais salientes marcas da imagem de dom Pedro, com reflexos evidentes no discurso historiográfico, desde as primeiras crónicas até aos estudos mais recentes.

A escrita historiográfica: aspectos históricos e traços ficcionais
Num trabalho recente, Cristina Pimenta diagnostica as dificuldades de apresentar uma imagem real de Pedro I, uma vez que as informações, quer cronísticas, quer documentais, disponíveis se encontram envoltas em cenários complexos; refere-se a autora ao facto de a Chancelaria de dom Pedro ter sido reduzida a um só livro, à circunstância de muitos documentos das Cortes se terem perdido e também ao facto de as duas crónicas mais antigas conhecidas terem sido elaboradas em circunstâncias pouco favoráveis à imparcialidade desejada. A primeira destas, da autoria de Fernão Lopes, centra-se sobre a figura de dom Pedro e foi comissionada ao cronista por dom Duarte, neto deste rei; parece-nos lógico que o autor se sentisse compelido à benevolência não só para com dom Pedro, mas também em relação ao seu descendente, dom João I, muito provavelmente ainda rei de Portugal na altura da produção escrita (faleceu apenas em 1433). A segunda destas obras aborda o reinado de dom Afonso IV, pelo que só indirectamente tratará de assuntos relacionados com dom Pedro. Ainda assim, a conduta do autor, Rui Pina, não está isenta de polémica, pois diz-se que terá baseado a sua obra numa crónica homónima do mesmo Fernão Lopes, escrita cerca de um século antes, e que entretanto se terá perdido. Quanto à mencionada crónica de Rui Pina, o registo é basicamente factual, centrando-se a sua importância na descrição de acontecimentos a que Fernão Lopes não faz referência, como a morte de Inês de Castro, ou de factos mais pormenorizados, como a enumeração dos descendentes do rei Pedro I. Pouco retiramos desta obra que nos possa revelar aspectos importantes sobre dom Pedro, dado tratar-se da crónica relativa ao reinado de dom Afonso; constituem excepção pormenores como o pedido do ainda infante Pedro ao seu pai para que não o obrigasse a casar contra sua vontade, o que demonstrará, desde logo, a personalidade forte e o carácter independente do infante.
No que se refere à crónica de Fernão Lopes, é inquestionável a sua importância, por se tratar da obra temporalmente mais próxima da época retratada, e também porque neste relato nos é apresentada uma imagem que perdurará nas crónicas posteriores, assim como em toda a produção literária que este tema gerou. Embora se aceite, geralmente, a visão do cronista, não será de afastar liminarmente a hipótese levantada por Cristina Pimenta, segundo a qual talvez Fernão Lopes já tivesse acesso a uma lenda do rei justiceiro, pelo que a imagem que aí colhemos do monarca estaria desde logo condicionada por um saber adquirido. Existe a possibilidade de tal ter acontecido, o que, somando-se às condicionantes já antes mencionadas, deixa antever eventuais divergências entre a realidade e este relato; é nossa opção, no entanto, considerar esta produção escrita o elemento mais próximo da verdade histórica que poderemos utilizar, pelo que nela basearemos a nossa interpretação. Assumimos que não serão colmatáveis as insuficiências da fonte, nomeadamente no que se refere às fases iniciais da vida de Pedro; como refere Suzanne Cornil, são poucos os dados sobre os seus gostos de adolescente e as suas relações com o pai; aliás, para além de uma referência breve ao contacto tardio com os avós, que só terá ocorrido aos quatro anos, devido às discórdias entre Afonso e Dinis, apenas temos informações indirectas e, por isso mesmo, de reduzida credibilidade histórica. Quanto a aspectos físicos, Cristina Pimenta considera ser comum, mesmo nestes tempos mais recuados, haver descrições detalhadas, estranhando esta falta de informação relativa a dom Pedro». In Pedro Jorge Rodrigues, A personagem D. Pedro, Na narrativa portuguesa do dealbar do século XXI, Tese de Mestrado em Estudos Portugueses Interdisciplinares, Universidade Aberta, Coimbra, 2006,

Cortesia de UAberta, Coimbra/JDACT