A
figura do rei através dos documentos oficiais do seu reinado
«(…) Na opinião de Veríssimo
Serrão, este aspecto liga-se a outros dois vectores significativos: à já
referida itinerância e à defesa das
populações que buscavam justiça ou protecção. São estas, afinal, as mais
salientes marcas da imagem de dom Pedro, com reflexos evidentes no discurso
historiográfico, desde as primeiras crónicas até aos estudos mais recentes.
A
escrita historiográfica: aspectos históricos e traços ficcionais
Num trabalho recente, Cristina
Pimenta diagnostica as dificuldades de apresentar uma imagem real de
Pedro I, uma vez que as informações, quer cronísticas, quer documentais,
disponíveis se encontram envoltas em cenários complexos; refere-se a autora
ao facto de a Chancelaria de dom Pedro
ter sido reduzida a um só livro, à circunstância de muitos documentos das
Cortes se terem perdido e também ao facto de as duas crónicas mais antigas
conhecidas terem sido elaboradas em circunstâncias pouco favoráveis à
imparcialidade desejada. A primeira destas, da autoria de Fernão Lopes,
centra-se sobre a figura de dom Pedro e foi comissionada ao cronista por dom
Duarte, neto deste rei; parece-nos lógico que o autor se sentisse compelido à
benevolência não só para com dom Pedro, mas também em relação ao seu
descendente, dom João I, muito provavelmente ainda rei de Portugal na altura da
produção escrita (faleceu apenas em 1433).
A segunda destas obras aborda o reinado de dom Afonso IV, pelo que só indirectamente
tratará de assuntos relacionados com dom Pedro. Ainda assim, a conduta do autor,
Rui Pina, não está isenta de polémica, pois diz-se que terá baseado a sua obra
numa crónica homónima do mesmo Fernão Lopes, escrita cerca de um século antes,
e que entretanto se terá perdido. Quanto à mencionada crónica de Rui Pina, o
registo é basicamente factual, centrando-se a sua importância na descrição de
acontecimentos a que Fernão Lopes não faz referência, como a morte de Inês
de Castro, ou de factos mais pormenorizados, como a enumeração dos
descendentes do rei Pedro I. Pouco retiramos desta obra que nos possa revelar
aspectos importantes sobre dom Pedro, dado tratar-se da crónica relativa ao
reinado de dom Afonso; constituem excepção pormenores como o pedido do ainda
infante Pedro ao seu pai para que não o obrigasse a casar contra sua vontade, o
que demonstrará, desde logo, a personalidade forte e o carácter independente do
infante.
No
que se refere à crónica de Fernão Lopes, é inquestionável a sua importância, por
se tratar da obra temporalmente mais próxima da época retratada, e também
porque neste relato nos é apresentada uma imagem que perdurará nas crónicas
posteriores, assim como em toda a produção literária que este tema gerou. Embora
se aceite, geralmente, a visão do cronista, não será de afastar liminarmente a
hipótese levantada por Cristina Pimenta, segundo a qual talvez Fernão Lopes já tivesse acesso a uma lenda do rei
justiceiro, pelo que a imagem que aí colhemos do monarca estaria desde logo
condicionada por um saber adquirido. Existe a possibilidade de tal ter acontecido,
o que, somando-se às condicionantes já antes mencionadas, deixa antever
eventuais divergências entre a realidade e este relato; é nossa opção, no
entanto, considerar esta produção escrita o elemento mais próximo da verdade
histórica que poderemos utilizar, pelo que nela basearemos a nossa
interpretação. Assumimos que não serão colmatáveis as insuficiências da fonte,
nomeadamente no que se refere às fases iniciais da vida de Pedro; como refere
Suzanne Cornil, são poucos os dados sobre os seus gostos de adolescente e as
suas relações com o pai; aliás, para além de uma referência breve ao contacto
tardio com os avós, que só terá ocorrido aos quatro anos, devido às discórdias
entre Afonso e Dinis, apenas temos informações indirectas e, por isso mesmo, de
reduzida credibilidade histórica. Quanto a aspectos físicos, Cristina Pimenta
considera ser comum, mesmo nestes tempos
mais recuados, haver descrições detalhadas, estranhando esta falta de informação relativa a dom
Pedro». In Pedro Jorge Rodrigues, A
personagem D. Pedro, Na narrativa portuguesa do dealbar do século XXI, Tese de
Mestrado em Estudos Portugueses Interdisciplinares, Universidade Aberta,
Coimbra, 2006,
Cortesia
de UAberta, Coimbra/JDACT