quinta-feira, 23 de abril de 2015

A Musa em Férias. Idílios e Sátiras. Guerra Junqueiro. «Dai-me um tirso virente e uma merenda boa, que me quero perder nas solidões da mata. Leva-me tu. Virgílio, o burro pela arreata. Ó clareiras do bosque! Ó penumbras sagradas!... Como o Sol entra aqui a rir às gargalhadas…»

jdact e wikipedia

Visita  à Floresta
«Que frescura meu Deus, e que deslumbramento!
Sancho Pança, vai pôr a albarda ao teu jumento,
e conduze-o depressa aqui para eu montar.
Embebeda-me o azul, o Céu, a Terra, o Mar!
Descalcem-me o coturno heróico da epopeia.
Não sei que cotovia olímpica gorjeia
dentro de mim; não sei que hilaridade é esta!
Satura-me o vigor profundo da floresta,
e debaixo do azul puríssimo, sem nuvens,
sinto-me trasbordar, como um titã de Rubens,
numa explosão de força atlética, purpúrea!
Entra-me nos pulmões a latejar com fúria.
Este excesso de vida imensa que atordoa!...

Dai-me um tirso virente e uma merenda boa,
que me quero perder nas solidões da mata.
Leva-me tu. Virgílio, o burro pela arreata.

Ó clareiras do bosque! Ó penumbras sagradas!...
Como o Sol entra aqui a rir às gargalhadas,
e como a Natureza é virginal e é pura!
A alma se me esvai, fundida de ternura,
Em murmúrios d'amor, em êxtases de crente!...
Como isto moraliza e diviniza a gente!
Dá-me vontade de ir subindo essas encostas,
ajoelhando, a beijar a terra de mãos postas!
Eu quisera enroscar-me aos robles como a hera,
ser perfume no lírio e ser vigor na fera,
desfazer-me, diluir-me em luz, em ar, em cores,
semearem-me e nascer todo o meu corpo em flores,
com as águias voar no oceano do infinito,
ser tronco, ser réptil ser musgo, ser granito,
de forma que eu andasse em átomos disperso,
no Céu, no Mar, na Luz, na Terra no Universo!


Entre este fecundar de seivas luxuriantes,
entre a vida brutal das árvores gigantes
levantando ao azul os pulsos seculares,
entre as vegetações frescas de nenúfares,
de cactos, de jasmins, de silvas, de roseiras,
de serpentes em flor, isto é, de trepadeiras,
a crescer, a romper da terra funda, escura,
debaixo desta rica igreja de verdura,
trespassada da luz cruel do Sol faminto,
ó Natureza, ó Terra, ó minha mãe! Eu sinto,
sinto bem que nasci do teu enorme flanco,
e que o homem e o tigre e o cedro e o lírio branco
são filhos a quem dás de mamar no teu seio
eternamente bom e eternamente cheio!»
Poema de Guerra Junqueiro, in ’A Musa em Férias

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