quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

A Bela Poesia. Luís de Camões. Sonetos. Primeiro período (1540-1547): Ciclo Idílico. «Quem vê, Senhora, claro e manifesto o lindo ser de vossos olhos belos, se não perder a vista só em vê-los, já não paga o que deve a vosso gesto»

Cortesia de wikipedia

Quando, Senhora, quis Amor que amasse
essa grã perfeição e gentileza,
logo deu por sentença que a crueza
em vosso peito amor acrescentasse.

Determinou que nada me apartasse:
nem desfavor cruel, nem aspereza;
mas que em minha raríssima firmeza
vossa isenção cruel se executasse.

E pois tendes aqui oferecida
esta alma vossa a vosso sacrifício,
acabai de fartar vossa vontade.

Não lhe alargueis, Senhora, mais a vida:
acabará morrendo em seu ofício,
sua fé defendendo a lealdade.

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Quem vê, Senhora, claro e manifesto 
o lindo ser de vossos olhos belos,
se não perder a vista só em vê-los,
já não paga o que deve a vosso gesto.

Este me parecia preço honesto;
mas eu, por de vantagem merecê-los,
dei mais a vida e alma por querê-los,
donde já me não fica mais de resto.

Assim que a vida e alma e esperança,
e tudo quanto tenho, tudo é vosso,
e o proveito disso eu só  o levo;

porque é tamanha bem-aventurança
o dar-vos quanto tenho e quanto posso
que, quanto mais vos pago, mais vos devo.
Camões, in «Sonetos»

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