quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Vasco Esteves de Gatuz e o seu Túmulo Trecentista em Estremoz. Mário Nunes Costa. «Fica dito o pouco que sabemos, comprovadamente, de Vasco Esteves em sua vida. Vários têm sido os autores, alguns nossos contemporâneos, que afirmaram ter ele morrido em 1401»

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Pendor franciscano de Vasco Esteves
«A atracção suscitada nas populações centradas nos lugares em que, de Norte a Sul de Portugal, se fixaram, traduziu-se numa fuga de esmolas e outros réditos aos canais tradicionais e numa perda de influência espiritual para as instituições já existentes, o que gerou conflitos, surdos uns, de jurisdição protestada outros, a acrescentar aos que se iam, entretanto, desenhando entre as ordens militares e as autoridades diocesanas.
Os franciscanos, chegados ao arrabalde da Vila de Estremoz no século XIII, porque largamente contactavam com a população, mendigavam pelas portas ou na praça pública e pregavam algo de novo, no mosteiro ou ao ar livre, mereceram veneração e estima da parte da população local.

NOTA: No testamento do rei D. Afonso III, feito em 1271, há já legados para franciscanos de Lisboa, Santarém, Coimbra, Porto, Alenquer, Leiria, Guimarães, Bragança, Lamego, Guarda, Covilhã, Portalegre, Évora e Beja e para os pregadores de Lisboa, Santarém, Lisboa, Coimbra, Porto e Elvas, este último de sua fundação (ANTT-Chancelaria de D. Afonso III, livro 3, fl. 3.

Vasco Esteves foi um dos estremocenses que, no século XIV, sentiu atracção por eles. Vários dos seus familiares também. O pendor de Vasco Esteves deixou marcas bem vincadas nas suas disposições testamentárias.
Disse ele:
  • «... mando me soterrar no moesteyro de Sam Francysquo d'Estremoz, com meu yrmão e mando hy com meu corpo a jgreja vymte livras».
Preocupado com a alma, continua:
  • «Item, mando des o dia da mynha sepultura ata trimta dias, que os frades da dicta vylla cantem... hüa mjsa ofyçiada em cada hü dia, e sajam sobre mjm com a cruz e demlhes por cada hüa mjsa qujnze solldos».

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Com os bens de seu primo Manuel Rodrigues, pagara, como testamenteiro, as respectivas dívidas e contribuíra já para o mosteiro. Vendidos que fossem seis quartos de vinhas que ao primo tinham pertencido, mais entendia dever ser dado à casa franciscana. Quanto aos despojos de Manuel Rodrigues e ao bem da sua alma, «dos outros dinheiros que hy recreçerem», manda «que se traga ahy o seu moymento e se ponha no pullpetu e metão em elle ho dicto Manoell Rodrigues com sus jrmãos. E dos dinheiros que hy recreçerem, demnos por suas allmas ao dicto Manoell Rodrjgues e em mjsas camtar. E camtem estas mjsas os frades».
Com os próprios bens, Vasco Esteves vai mais longe no mosteiro estremocense:
  • «... mando, diz, ao mosteiro de Sam Francisquo çem ljuras per a obra ...».
Envolve depois sua mãe:
  • «Item mando que dem a dicta obra sesenta ljuras polla alma de mjnha madre».
Em seguida, pensa de novo em si próprio: Item mando que, se eu for soterrado no dicto mosteiro, que pollos meos bens comprem hü moymento muito homrrado... e metão em elle mym e meu irmão Martym Estevez».
Já na parte final das disposições testamentárias, determina a quem for seu testamenteiro, «poer por mym dous capellaes perpetus que cantem pera sempre por mjnha allma, isto é, determina a criação de uma capela com ónus pio a instituir, ainda que o não diga nesta cláusula, em São Francisco de Estremoz».

Morte de Vasco Esteves
Fica dito o pouco que sabemos, comprovadamente, de Vasco Esteves em sua vida.
Vários têm sido os autores, alguns nossos contemporâneos, que afirmaram ter ele morrido em 1401.

NOTA: Vejamos alguns exemplos: «Vasco Esteves de Gato, instituidor de uma capela em 1401» (CRESPO, José Lourenço Marques - Estremoz e o seu Termo Regional, Estremoz, o Autor, 1950, p. 72); «parece ter falecido cerca de 1401» (SANTOS, Reinaldo dos, A Escultura em Portugal, volume 1, Lisboa, Academia Nacional das Belas Artes, 1948, p. 41); «... o sarcófago de Vasco Esteves Gato, da igreja conventual de S. Francisco de Estremoz (1401)» (ESPANCA, Túlio, in Inventário Artístico de Portugal, Concelho de Évora, volume 1, Lisboa Academia Nacional de Belas Artes, 19ó6, p. XXXII). Volta a dizê-lo de 1401 o mesmo Inventário ... Distrito de Évora. Concelhos de Alandroal ..., volume 1, Lisboa, a Academia, 1978, p. 369.

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De entre esses, já houve quem posteriormente corrigisse o ano para 1363 e outros, como nós, cedo se pronunciaram por esta ultima data. Será, contudo a data certa? Há que considerar aqui a hipótese de o não ser.
Se os primeiros autores tivessem lido o testamento de Vasco Esteves, o que tem muito fraca probabilidade de ter acontecido, a sua afirmação derivaria de um erro de Cronologia que Fr. Fernando Roberto de Gouveia, prior da freguesia de Santo André de Estremoz, jé em 1758 esclarecia assim: «Vasco Esteves Gattuz... faleceu no anno de 1401 da hera de Cezar, he o anno de Christo de 1363». Muito mais provável é, contudo, que a afirmação daqueles autores tenha origem na lápide que acompanha o túmulo há mais de dois séculos. Nela se refere o «ano» de 1401 e não a era, como o da instituição da capela.
As opiniões, após a correcção do calendário, têm ultimamente convergido para 1363 como a data da morte de Vasco Esteves. Foi neste ano que ele se preocupou, como vimos, por duas vezes e em curto espaço de tempo, com as suas últimas vontades e, pelo menos da segunda vez, encontrava-se doente e de cama. Mas, não é legítimo inferir a data da morte da data do testamento e da falta simultânea de saúde do testador, ainda que isso sugira uma probabilidade com algum peso.

Até hoje, não foi apresentada, há que reconhecer, prova da sua morte em 1363. Terá sido posterior? Persigamos a hipótese.
Não conhecemos a rota do testamento durante os vinte e um anos que se seguiram à sua redacção. Em 1384, mereceu, como vimos, especial atenção da parte do mosteiro de S. Francisco de Estremoz. O «ler e proujcar» nesta data solicitados ao juiz estremocense corresponderia ao que hoje diríamos a abertura do testamento? É possível.

O impetrante, sendo uma das partes por ele beneficiadas, já se encontrava na posse do documento. Conservara-se depositado no mosteiro, como então, por vezes sucedia? Tem maior probabilidade que lho tenha facultado Margarida Vicente». In Mário Alberto Nunes Costa, Vasco Esteves de Gatuz e o seu Túmulo Trecentista em Estremoz, Academia Portuguesa da Historia, 1993, ISBN 972-624-094-8.

Cortesia da AP da Historia/JDACT