quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Portugal, Terra de Mistérios. Vencer o Medo no mar Tenebroso. «Também hoje o ser humano é arrastado por vigorosas potências até ao alto mar, até ao fundo do deserto e do seu mundo de máscaras. A viagem perderá o seu carácter ameaçador…»

Cortesia de movv

Porquê “Terra de Mistérios”?
«Cristo, como no geral todos os fundadores de religiões, exoterizou uma parte da sua mensagem através de parábolas e máximas sintetizadas, irradiando uma fortíssima energia de Amor e transmitindo os seus conhecimentos profundos a uma pequena elite de discípulos. A que outra realidade se poderia referir Cristo quando disse "Porque a vós foi dado conhecer os mistérios do Reino do Céu, mas a eles não.(...) É por isso que eu uso parábolas para falar com eles”.
Não subsistem dúvidas de que, nos primeiros séculos d. C., havia mistérios no seio de muitas comunidades cristãs. Chegaram-nos muitas fontes que aludem à existência de mistérios nesses primeiros tempos. S. Clemente de Alexandria afirmou:
  • "O Senhor permitiu comunicarmos estes mistérios divinos e esta santa luz aos capazes de os receber (...) Ao homem capaz de observar secretamente o que lhe é confiado, o que está velado lhe será mostrado como verdade; o que é oculto à multidão, será manifesto à minoria”.
O padre cristão Orígenes, na sua célebre resposta a Celso, revelou-nos:
  • "(…) que existem certas doutrinas [cristãs] não dadas a conhecer às multidões, que são [reveladas] depois que as exotéricas tiverem sido ensinadas, [este facto] não é peculiaridade apenas do cristianismo, mas igualmente de sistemas filosóficos nos quais certas verdades são exotéricas e outras esotéricas. Alguns entre os ouvintes de Pitágoras contentavam-se com o seu “ipse dixit” enquanto outros aprendiam em segredo as doutrinas não julgadas próprias para serem comunicadas a ouvidos profanos e insuficientemente preparados".

Cortesia de geocaching

Esta última ideia foi muito claramente exoteizada por Cristo:
  • "Não deis aos cães o que é santo, nem atireis pérolas aos porcos; eles poderiam pisá-las com os pés e, virando-se, despedaçar-vos".
Orígenes, cujo nome curiosamente significa ‘filho de Hórus’ (de certa forma o Cristo egípcio), tem outro texto interessante, do século III d. C.:
  • "Que pessoa inteligente imaginaria, por exemplo, que um primeiro, um segundo, um terceiro dia, tarde e manhã, aconteceram sem sol, sem lua e sem estrelas? E o primeiro, conforme o chamamos, sem mesmo um céu? Quem seria tão infantil a ponto de supor que Deus, como um jardineiro humano, plantou um jardim no Éden, para os lados do Oriente, e formou ali uma árvore, visível e sensível, de tal modo que se conseguisse o poder de viver comendo materialmente do seu fruto com os dentes? E ainda, que se pudesse participar do bem e do mal, nutrindo-se do que vinha daquela outra árvore? Se dizem que Deus andava à tarde no jardim e que Adão se escondia sob a árvore, imagino que ninguém há-de questionar serem estas declarações figurativas, asseverando misteriosas verdades por meio de uma semelhante história, e não de factos que ocorreram de modo material”.
Segundo o abade do século XIX, Alfonso Luis Constant, mais conhecido pelo pseudónimo, Eliphas Lévi, "[Jesus] havia adivinhado a teologia oculta de Israel, havia-a comparado com a sabedoria do Egipto e havia deduzido a razão de uma síntese religiosa universal". Blavatsky faz descender os Essénios (tudo indica, de facto, que Jesus foi um mestre essénio) "dos hierofantes egípcios em cujo país haviam estado" e o grande filósofo Amónio Saccas (séculos II e III d. C.), fundador da Escola Neoplatónica de Alexandria, sustentava que "tudo o que Cristo tinha em mente era reinstalar em sua primitiva integridade a sabedoria dos antigos - de pôr limite ao domínio predominante da superstição (...) e exterminar os vários erros que se haviam enraizado nas diferentes religiões populares”. O próprio S. Agostinho, para além de afirmar que era crença geral Jesus ter vivido no Egipto, sustentou que:
  • "Algo idêntico ao que hoje chamamos religião cristã existiu entre os antigos e não tem deixado de existir desde os começos da raça humana até ao advento de Cristo encarnado, momento a partir do qual a verdadeira religião, que já existia, começou a ser chamada cristã”.

Cortesia de meuestoriar

S. Paulo também possuía a “gnosis” secreta, segundo o atesta o conteúdo das suas epístolas. Numa delas, referindo-se subentendidamente a si próprio, fala assim de uma experiência que teve:
  • "Conheci um homem há 14 anos que foi levado ao terceiro céu. Eu mesmo não sei se o seu corpo também lá esteve, ou se foi apenas o seu espírito. Só Deus o sabe. Mas de qualquer maneira esteve no paraíso e ouviu coisas de tal maneira surpreendentes que ultrapassavam as capacidades humanas para descrevê-las ou traduzi-las por palavras, e até nem posso permitir-me fazê-lo". É evidente que S. Paulo se refere a uma vivência característica dos mistérios. Confirma-o quando diz 'nem posso permitir-me fazê-lo', aludindo claramente ao voto de silêncio dos iniciados.
Todos estes elementos nos levam à conclusão de que a doutrina espiritual de Cristo foi adulterada, nomeadamente por razões políticas. S. Gregório de Nazianceno escreveu as seguintes palavras ao seu amigo e confidente S. Jerónimo:
  • "Nada exerce tanta influência nas pessoas como o palavreado; quanto menos o entendem, mais o admiram... Os nossos padres e os nossos doutores disseram muitas vezes não o que pensavam, mas o que a necessidade e as circunstâncias os obrigaram a dizer”.
O Kali-Yuga, a Idade de Ferro, com forte tendência para o materialismo, avançava a passos largos e, paralelamente, a facção mais intolerante e política do cristianismo foi-se tornando muito poderosa, eliminando os mistérios e deixando o Ocidente consignado a uma fé exotérica. A lei canónica e intolerante de Roma permitiu o florescimento de grandes místicos como S. Francisco de Assis e Sta. Teresa de Ávila... mas todos aqueles que quiseram penetrar numa visão integral, esotérica, que não castrasse a razão, tiveram de se refugiar em sociedades secretas.
Muitos viajaram para o próximo Oriente onde encontraram verdadeiros mestres de esoterismo.
A igreja oficial, ao perder o contacto com os mistérios, provocou um autêntico cataclismo cultural no Ocidente, tendo surgido certas organizações e homens especiais para, dentro do possível, remediar a situação. Entre esses, a Ordem do Templo foi, sem qualquer dúvida, a mais importante e a coluna vertebral do renascimento cultural que aconteceu na Europa do século XII.

Tiveram também um papel importante as confrarias de pedreiros-livres (‘franco-maçons’), os alquimistas, judeus cabalistas e muitos outros grupos que buscavam o conhecimento profundo da Natureza. A procura da sabedoria fora da 'ortodoxia' era considerada obra do Diabo e punida por lei (pena de morte).
Portugal, situado nos confins ocidentais da Europa, foi desde os primeiros tempos e até ao século XVI um lugar mais tolerante para os que não seguiam os caminhos da chamada 'ortodoxia', tendo havido um grande interesse pelo esoterismo e pela busca do significado oculto das Escrituras. Este interesse foi partilhado por muitos reis, a começar muito provavelmente pelo próprio D. Afonso Henriques. Esta realidade leva-nos à abordagem do Portugal Mítico». In Paulo A. Loução, Portugal, Terra de Mistérios, Edições Esquilo, 2001, ISBN 972-8605-04-8.

Continua
Cortesia de Esquilo/JDACT