domingo, 8 de janeiro de 2012

Damião de Góis. Elisabeth Feist Hirsch. «Em compensação, as relações de amizade entre Góis e a coroa continuaram durante muitos anos. Foi só em 1571 que, preso pela Inquisição, viu a sua carreira tragicamente interrompida. Góis morreu em 1574, dois anos depois de ter sido condenado»


Cortesia de anttdgarq e 2crbucp

«Depois de aí ter servido durante cinco anos, Góis foi incumbido por D. João de uma série de missões especiais que primeiro o levaram a Inglaterra em 1528, a seguir à Polónia em 1529, e depois de novo à Polónia, assim como à Dinamarca e a vários outros países, em 1531. Após esta última missão Góis fez uma visita particular a Wittenberg, donde prosseguiu em viagem por conta do rei, pela Prússia e pela Polónia, até à Rússia. Aí organizou outra excursão, particular, ao rio Don. Em 1532, ano da sua primeira publicação, Góis matriculou-se na Universidade de Lovaina e durante algum tempo conciliou a vida académica com a actividade diplomática em Antuérpia. Estudou intensamente e ficou com a vista cansada, pelo que o médico lhe aconselhou que viajasse, e Góis pôs-se a caminho em 1533.

Desta feita as viagens levaram-no a Friburgo e, possivelmente, a Estrasburgo. Ao voltar a Antuérpia nos fins da Primavera de 1533 foi chamado a Portugal por João III, que desejava promovê-lo a tesoureiro da Casa da Índia em Lisboa posto esse que Góis declinou. Regressou à Flandres em fins de 1533 e aí se declarou abertamente como adepto da escola humanista de Erasmo. Homem de posses, Góis podia fazer quase sempre o que queria e a partir desta data dedicou-se grandemente aos estudos humanísticos. Embora se não conheçam com exactidão as fontes da riqueza de Góis, é possível que o rei João III tenha completado com alguma espécie de renda ou pensão o rendimento pessoal do fidalgo que, entre outros, possuía bens de raiz.


Cortesia de ruadajudiaria e purl

Em 1534 Góis viveu cinco meses como hóspede em casa de Erasmo. Quando partiu de Friburgo após a estada com o humanista holandês, Góis seguiu-lhe o conselho e instalou-se em Pádua, onde estudou de 1531 a 1538. Depois destes quatro anos em Itália, Góis voltou a “Lovaina”, casou-se com uma senhora holandesa de abastada família e iniciou um período feliz de produtividade intelectual. Essa vida amena em “Lovaina” terminou, contudo, quando a cidade foi atacada em 1542 por um exército francês. Góis estava nessa altura de viagem à Holanda, mas apressou-se a regressar para defender a “alma mater”. Enquanto participava numa missão encarregada de negociações com os invasores franceses foi feito prisioneiro, e só graças à intervenção do rei português é que foi libertado mais tarde. Devido a este incidente João III mandou-o chamar e Góis voltou a Portugal em 1545 com a mulher e três filhos.

Embora continuasse as suas publicações e fosse nomeado arquivista do reino em 1548, (nomeado a título interino Guarda-mor da Torre do Tombo) Góis não teve uma vida livre de tribulações na sua terra natal. Os numerosos contactos que estabelecera com protestantes durante os períodos de permanência no estrangeiro tinham chamado a atenção de um dos primeiros seguidores de Inácio de Loyola, Simão Rodrigues, que veio a ser a figura de maior destaque entre os jesuítas portugueses e que por duas vezes denunciou Góis ao Tribunal do Santo Oficio (maldito). Em compensação, as relações de amizade entre Góis e a coroa continuaram durante muitos anos. Foi só em 1571 que, preso pela Inquisição (maldita), viu a sua carreira tragicamente interrompida. Góis morreu em 1574, dois anos depois de ter sido condenado.

A corte de Manuel I
As casas da terra natal de Damião de Góis, Alenquer, encarrapitavam-se no cimo dum monte íngreme e brilhavam, ao sol radioso, numa brancura que cegava os olhos. Chegava-se por estradas sinuosas ao topo do monte e à Igreja da Várzea, onde Damião foi baptizado e onde viria a ser enterrado. Em rapaz talvez tivesse ido pescar no rio manso ou tivesse gozado da sombra fresca das árvores das margens. Damião nunca perdeu o amor à terra onde nasceu, embora tivesse saído de Alenquer aos nove anos para ir servir de pajem a Manuel I.
Para o pequeno Góis a partida para a corte do rei constituiu uma mudança dramática, de um meio familiar abastado onde vivia com os irmãos e as irmãs, para o esplendor e fascinação dum palácio rico e para a companhia de príncipes e de outros cortesãos.
Góis teve a sorte de nascer no Portugal dos Descobrimentos, período de feitos que não tiveram igual nos séculos que se lhe seguiram. A posteridade deu a D. Manuel I, cunhado de D. João II, o cognome de “o Venturoso”, cognome esse que Góis viria a empregar na crónica que fez do seu reinado. Manuel, como Góis havia de relatar, ascendeu ao trono de Portugal por «um acto da Providência». João II desejava ter seu filho ilegítimo Jorge por sucessor, pois que o filho legítimo e outros herdeiros presuntivos já o tinham precedido no túmulo; mas sua mulher, D. Leonor, que pertencia à poderosa Casa portuguesa de Bragança, desejava naturalmente que o seu próprio irmão fosse herdeiro do trono. Essa família eminente já estivera implicada na tentativa de impedir a concentração do poder no soberano. A conspiração tinha ficado gorada, e, em consequência, alguns dos Braganças tinham sido executados ou banidos». In Elisabeth Feist Hirsch, Damião de Góis, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1967.

Cortesia da FC Gulbenkian/JDACT