domingo, 15 de janeiro de 2012

Poesia. Camilo Pessanha. «Uma perfeita recorrência entre a sensibilidade dorida e os símbolos contrapolares do país perdido, sumindo-se no chão, a terrível realidade dos sentimentos de decadência e de angústia por ele vividos com desgarradora autenticidade»

Em Macau
Cortesia de cadernodooriente

Fonógrafo

Esvelta surge! Vem das águas, nua,
timonando uma concha alvinitense!
Os rins flexíveis e o sei fremente...
Morre-me a boca por beijar a tua.

Sem vil pudor! Do que há que ter vergonha?
Eis-me formoso, moço e casto, forte.
Tão branco o peito! - para o expôr à Morte...
Mas que ora - a infame! - não se te anteponha.

A hidra torpe!... Que a estrangulo... Esmago-a
de encontro à rocha onde a cabeça te há-de,
com os cabelos escorrendo água,

ir inclinar-se, desmaiar de amor,
sob o fervor da minha virgindade
e o meu pulso de jovem gladiador.

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Depois da luta e depois da conquista
fiquei só! Fora um acto antipático!
Deserta a ilha, e no lençol aquático
tudo verde, verde, - a perder de vista.

Por que vos fostes, minhas caravelas,
carregadas de todo o meu tesoiro?
- Longas teias de luar de lhama de oiro,
legendas a diamantes das estrelas!

Quem vos desfez, formas inconsistentes
por cujo amor escalei a muralha,
- leão armado, uma espada nos dentes?

Felizes vós, ó mortos da batalha!
Sonhais, de costas, nos olhos abertos
reflectindo as estrelas, boquiabertos...

Sonetos de Camilo Pessanha, in «Clepsidra»

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