quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

História Medieval. Pierre Bonnassie. Aforamento. «Os foros de montante variável, de aplicação muito menos rígida, obtiveram um sucesso ainda maior. Consistem numa tributação proporcional à colheita, frequentemente denominada ‘à champart’, aplicada no terreno, sobre a produção bruta»

Cortesia de publicaçõesdomquixote

Aforamento
«É uma ‘tenure’ (concessão) camponesa, cedida quer por um tempo limitado quer perpetuamente, que não está sujeita a obrigações de serviços em trabalho, ou o está em muito pequeno grau, e cujos encargos são constituídos essencialmente por um censo (foro) em géneros ou em numerário. Adoptando designações muito diversas consoante as regiões e a natureza dos ocupantes, é costume opô-la ao ‘mansus’, este sujeito sobretudo à corveia.

Até ao ano 1000, aproximadamente, estas «censivas» parecem raras nos campos da Europa do Norte. São aí consideradas explorações privilegiadas, pela relativa liberdade de que gozam os seus detentores em relação aos senhores da terra. A sua concessão reveste-se então frequentemente, do ponto de vista do senhor, do carácter de uma mercê concedida em resposta a uma petição (‘precaria’) que lhe é dirigida pelo futuro beneficiário; daí o nome de «precários» geralmente atribuído aos contratos que criam este tipo de ‘tenure’ camponesa. Nas regiões do Sul, pelo contrário, onde devido a sistemas muito diferentes de exploração do solo a corveia é muito menos vulgarizada, as terras foreiras encontram-se em grande número por toda a parte, desde os tempos mais remotos.

A partir do século X, e sobretudo desde o século XI, o aforamento ganha terreno por toda a parte, acompanhando a expansão das terras cultivadas. Especialmente nas zonas de colonização, onde os perigos são muitas vezes prementes, os trabalhos agrícolas sempre árduos e as colheitas aleatórias, torna-se difícil aos senhores esmagar os camponeses com obrigações que possam desencorajar os candidatos a desbravadores. Contentam-se então em ceder-lhes a terra a título de aforamento, por meio de contratos individuais ou colectivos, sempre generosos em garantias consistentes. E o que se verifica com as explorações de povoamento, que se multiplicam a partir do ano 1000, tanto nos ‘polders’ flamengos como nas terras pantanosas do Baixo Saxe ou nas castelanias fronteiriças do Sudoeste da Catalunha. As ‘tenures’ assim constituídas podem repartir-se em duas categorias:
  • de censos fixos;
  • de censos variáveis.
As primeiras parecem ser as mais antigas. É neste tipo que se inscreve já a maioria dos aforamentos da França Meridional da Alta Idade Média. Na Provença, por exemplo, o ‘massoyer’ (foreiro do ‘mas’) está geralmente obrigado a entregar ao senhor da terra um carneiro (ou uma ovelha com cria) pelo Pentecostes ou um porco em Outubro, com mais algumas galinhas, frangos e ovos.

Nos Pirenéus Catalães, os foreiros do ‘mas’ e do ‘borde’ estão geralmente onerados da taxa de um ou dois presuntos, alguns sacos de cevada, galináceos e (onde a viticultura é possível) dois ou três odres de vinho. Com a expansão da economia monetária, muitos destes encargos em géneros convertem-se em foros de numerário; é o caso da Provença a partir do século XI. No Norte da Europa, numerosos aforamentos criados em terras desbravadas estão desde a sua origem obrigados ao pagamento de taxas em moeda: um ou dois denários, por exemplo, para as ‘tenures’ instituídas pelos arcebispos de Bremen no século XIII nos sapais do Hollerland.

A indústria
Cortesia de wikipedia

Salvo algumas excepções, estes foros são reduzidos e até por vezes simbólicos. Por outro lado, os que são estipulados em dinheiro desvalorizam-se constantemente devido à alta geral dos preços entre os séculos XI e XIII, suscitando da parte dos senhores a tendência muito generalizada para obter a sua revisão; nas últimas décadas da Idade Média, terminada a instabilidade devida às guerras e calamidades do século XIV, esta tendência impõe-se de facto.

Os foros de montante variável, de aplicação muito menos rígida, obtiveram um sucesso ainda maior. Consistem numa tributação proporcional à colheita, frequentemente denominada ‘à champart’, aplicada no terreno, sobre a produção bruta. O seu montante variou consideravelmente consoante as regiões e as épocas, mas com uma geral tendência altista. Na Catalunha, por exemplo, até por volta de 1050, o tipo de foro mais frequente é a ‘tasque’, equivalente a 1/11 avos da colheita de cereal; mas a partir da segunda metade do século XI assiste-se à introdução do pagamento da quarta parte do produto da colheita.

No século XII este quantitativo torna-se comum e em certos casos chega a ser ultrapassado por imposições ainda mais gravosas. Quanto às vinhas, inicialmente oneradas (até ao século XI) de um quarto da vindima, têm esta fracção posteriormente aumentada para a metade. No Sul da França, a ‘tasque’ e o ‘quart’ parecem ter sido os censos mais generalizados: na Itália, entre os séculos X e XII, o senhor recolhe normalmente a quarta parte dos cereais e a metade ou o terço do vinho e do azeite. Na Bacia de Paris, o ‘champart’, o ‘terrage’, o ‘agrier’, todos foros do mesmo tipo, variam no seu conjunto entre 1/15 avos e um quarto da colheita, mas podem estar associados a prestações em dinheiro.

Os aforamentos eram geralmente estabelecidos por contrato oral, o que limita as nossas informações sobre a sua duração. Contudo, contratos de aforamento escritos foram praticados desde muito cedo (desde o século X) no Sul da França e Norte da Espanha; verifica-se então que eles são estabelecidos por longos períodos (uma a três gerações) e até frequentemente perpétuos. O mesmo se passa na Itália, onde os contratos escritos se encontram em maior número e com datas anteriores. Conhecidos pela designação de ‘livelli’, fazem a sua primeira aparição na região de Ravena no fim do século VII , mas é a partir do primeiro quartel do século X que se difundem em massa.

Cortesia de publicacoesdomquixote

O seu sucesso, não desmentido até ao século XII , explica-se em parte pelos progressos do notariado (passagem de dois originais simultâneos, um para cada uma das partes contratantes) e insere-se no quadro da reestruturação do ‘habitat’ rural, por sua vez provocada pelo ‘incastellamento’ (que irei explanar quando falar em “aldeia”).

Quanto aos contratos do tipo da parceria e do arrendamento, a sua prática só se impõe verdadeiramente a partir do século XIII e especialmente no século XIV. Será possível fazê-los derivar dos contratos de aforamento da época precedente? À primeira vista existem analogias e antecedentes. Em relação à parceria, deve notar-se que se encontram desde o século XI, na Catalunha, aforamentos de «terrádigo» estipulando a cobrança senhorial de metade da colheita, com a contrapartida (o que é característico da parceria) da comparticipação do senhor nos custos de exploração: fornecimento de metade das sementes e, por vezes, empréstimo dos instrumentos de trabalho.

Quanto ao arrendamento, poder-se-ia fazê-lo derivar de um simples aperfeiçoamento dos antigos aforamentos de censo fixo. Mas tal filiação não é tão clara como poderia parecer. Enquanto os aforamentos clássicos eram concessões hereditárias ou pelo menos de muito longa duração, os contratos de parceria e de arrendamento do fim da Idade Média vigoram frequentemente a curto prazo (três, seis ou nove anos nas regiões de afolhamento trienal). E, sobretudo, explorações em parceria e arrendamento não substituem os antigos aforamentos; são, na maior parte dos casos, novas explorações criadas por concessão de terras mantidas até aí pelo senhor em exploração directa». In Pierre Bonnassie, Dicionário de História Medieval, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1985, Tradução de João Fagundes.

Cortesia de P. D. Quixote/JDACT