sábado, 14 de janeiro de 2012

Poesia. Fernão Rodrigues Soropita. Século XVI. «Mas vós, claras estrelas, não olhando que não há cousa injusta em meu desejo, a vista de que vivo me negais»

Cortesia de wikipedia 

Sonetos
2
Dizei, olhos crueis, olhos fermosos,
quando mudareis ja vosso custume,
quando da viva dor que me consume
vos mostrareis aos meus mais piadosos.

Se tal cuidasse ver, o quam ditosos
se podiam chamar, quando no cume
poria as esperanças sem queixume
de contra os meus os ver assi irosos.

Mas vós, claras estrelas, não olhando
que não há cousa injusta em meu desejo,
a vista de que vivo me negais,

deixando-me de ver quando me vejo.
Ae não tenho outro bem, se em mi não ando,
por quê mais brandamente não me olhais?

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Soneto 
3
De cá, donde não mais que imaginar-vos
o peso desta ausência me consente, 
sobre as asas de amor, ousadamente
o mal sufrido espirito vai buscar-vos.

 e senão receara de abrasar-vos
no fogo que por vossa causa sente,
lá ficara com vosco e, lá presente,
aprendera de novo a contentar-vos.

Mas depois que apartar-se lhe é forçado,
por senhora de cá vos reconhece,
aos pés de imagens vossas debruçado.

Vós que vedes a dor que ele padece,
ponde os olhos de lá no seu cuidado
e dar-lhe-eis inda mais do que merece.

Sonetos de Fernão Rodrigues Soropita

Cortesia de wikipedia

NOTA: Cancioneiro de Fernandes Tomás, ed. facsimilada. Lisboa, Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia, 1971. Poemas editados por José Torrejón. O "Labarinto", que abre a selecção, pode ser lido de forma salteada, em todas as combinações possíveis que mantenham a sequência da rima em ABBA.

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