domingo, 15 de julho de 2018

As Egípcias. Christian Jacq. «E uma grande hesitação: será que a inscrição nos permite pensar que esta mãe de um rei não designado era também faraó?»

Cortesia de wikipedia e jdact

A enigmática Meresanq
Meresanq, guardiã das escrituras sagradas
(…) Entre os personagens presentes no túmulo figuram escribas. Ora, Meresanq possui um título notável: sacerdotisa do deus Tot, criador da linguagem sagrada e senhor das palavras de deus, os hieróglifos. Está, pois, directamente relacionada com o deus do conhecimento. É, aliás, o caso de várias rainhas egípcias, como Bentanta, que vemos ser conduzida por Tot para o outro mundo numa cena da sua sepultura do Vale das Rainhas. O pormenor é importante, pois prova que Meresanq tinha acesso à ciência sagrada e aos arquivos dos templos, denominados a manifestação da Luz divina (baú Ra). É também uma deusa, Sechat, que rege a Casa da Vida onde se compunham os rituais e onde os faraós eram iniciados nos segredos da sua função. Guardiã das bibliotecas e dos textos fundamentais, ela maneja perfeitamente o pincel, que utiliza tanto para escrever as palavras da vida como para praticar a requintada arte da maquilhagem. Vestida com uma pele de pantera, a cabeça coroada por uma estrela de sete pontas (por vezes cinco ou nove), é Sechat quem redige os Anais Régios e inscreve os nomes do faraó nas folhas da árvore sagrada de Heliópolis. Desta deusa detentora dos segredos de construção do templo, que partilha com o rei, depende o secretariado do palácio. No templo de Séti I em Abidos, Sechat, encarregada dos arquivos aos rolos divinos, escreve o destino do faraó e diz: a minha mão escreve o seu longo tempo de vida, a saber, do que sai da boca da Luz divina (Ra), o meu pincel traça a eternidade; a minha tinta, o tempo; o meu tinteiro, as inúmeras festas de regeneração. Meresanq, iniciada nos mistérios de Tot e no conhecimento das escrituras rituais, foi instruída em toda a ciência sagrada do Antigo Egipto; mais de três mil anos após o seu desaparecimento, podemos encontrá-la na companhia da sua mãe e das suas irmãs, numa das mais surpreendentes sepulturas de Gize. Esta misteriosa e fascinante Meresanq permitiu-nos descobrir que o universo do conhecimento estava inteiramente aberto à mulher egípcia.

A rainha Quenet-Kaus, um faraó esquecido?
Um gigantesco sarcófago
No Inverno de 1931-1932, o egiptólogo egípcio Selim Hassan explorou uma parte da imensa estação de Gize, a cerca de 400 m a sueste da pirâmide de Quéfren. Neste planalto criado pelo homem havia um impressionante número de obras-primas: as três pirâmides, por certo, mas também numerosas sepulturas decoradas. São necessárias longas jornadas para percorrer estas ruas de sepulturas que nada têm de fúnebre; pelo contrário, esta cidade de eternidade, de tranquilizadoras pedras, é um lugar de paz e serenidade. Selim Hassan descobriu um extraordinário monumento, um imenso sarcófago cuja base tinha 40 m de lado. Espantado, teve de render-se à evidência: tratava-se de um sarcófago rectangular de tecto abobadado, assente sobre uma base quadrada, cujo interior maciço era em parte constituído pela rocha. Desconcertado e deslumbrado, o egiptólogo pensou num monumento comparável: o túmulo do rei Chepseskaf (cerca de 2504-2500 a.C.), sucessor de Miquerinos e último rei da quarta dinastia. A sua morada eterna, em forma de gigantesco sarcófago, foi edificada a sul de Sacara, longe da actual zona turística. Infelizmente, nada sabemos acerca deste faraó cujo reinado foi breve.

Quem era Quenet-Kaus?
No ângulo sueste do túmulo-sarcófago de Gize, nos alizares em granito de uma capela exterior e de uma falsa porta que estabelece a comunicação entre o visível e o invisível, Selim Hassan decifrou o nome e os títulos da proprietária: Quenet-Kaus, Aquela que preside aos seus poderes criadores, mãe do rei do Alto e Baixo Egipto, filha do deus. para o qual se realizam todas as boas coisas que ela formula. E uma grande hesitação: será que a inscrição nos permite pensar que esta mãe de um rei não designado era também faraó?
Desde a descoberta do seu túmulo, poucas informações conseguimos acerca desta rainha, mas podemos concluir que teve um papel importante. Filha, por certo, de Miquerinos, o construtor da mais pequena das três pirâmides de Gize, foi criada e instruída na escola do palácio. A sua mãe seria a sublime Qamerer-Nebti, a esposa de Miquerinos, cujo rosto admirável conhecemos graças a uma estátua conservada no Museu de Boston? Esta obra magnífica, colocada no templo do vale no conjunto funerário de Miquerinos, mostra-nos a sua esposa caminhando a seu lado, passando o braço direito pela cintura do monarca e pousando a mão esquerda no braço esquerdo do esposo, numa atitude protectora». In Christian Jacq, As Egípcias, Edições ASA, 2002, ISBN-978-972-413-062-0.

Cortesia de EASA/JDACT