quarta-feira, 11 de julho de 2018

Estâncias Reunidas. Poesia. António Cândido Franco. «Nome que as suas coisas devora. Espírito puro. Palavra imaterial. Intensos são os seus raios»

jdact

[…]
IX
«As luminárias o céu mascaram.
Os géneros imitando o sol e a lua.
Os planetas
condensando em força e cor
o que aos homens acontece.
Os nomes escondendo as coisas.
E as coisas dos nomes saindo.
A noite é uma câmara escura.
O céu é uma arca
um guarda-roupa completo
onde do dia se guardam
as máscaras físicas.
Cartografia do destino.
Pelas pedras troque-se a luz
para dos corpos se perceber o toque.
O céu está cheio de almas
de desenhos bordados a pespontos
que são os tipos primeiros.
O céu está cheio de nomes
que são da terra
as essências do povoamento.
Do céu na fazenda
as constelações pesponteando
os acontecimentos do dia
e de modelo servindo à Vida.
A terra é do avesso o céu.
O céu é um palco
onde em estrelas
a noite revela a vida terrestre.
Figuras nocturnas que são do dia
a eterna memória.

Constelações desenhando
da vida os tipos.
Astros vivos e perfumados
como da terra flores orvalhadas.
Astros vivos e selvagens
como terrestre flora vegetal.
Astros tão ausentes como palavras.
Falemos de Sírio
como exemplo.
No céu esta estrela
da terra é uma bela e terrível flor.
Flor que de carne se alimenta.
Nome
que as suas coisas devora.
Espírito puro.
Palavra imaterial.
Intensos são os seus raios.
Irradia deles uma fria luz azal
onde embriões se coam de sangue.
Falemos ainda
de outras estrelas.
A Polar é uma flor branca
de pétalas frias
que um joalheiro celeste
esculpiu para ficar imóvel.
Tem um caule de vidro sujo
com dedadas fortes
e tempestades.
É preciso a terra do avesso voltar
virar-lhe as mangas
o forro lhe puxar»
Poema de António Cândido Franco, in ‘Estâncias Reunidas

In António Cândido Franco, Estâncias Reunidas, 1977-2002, Quasi edições, biblioteca Finita Melancolia, Vila Nova de Famalicão, 2002, ISBN 972-8632-64-9.

Cortesia de Quasi/JDACT