domingo, 1 de julho de 2018

O Triângulo Secreto. Didier Convard. «… peça por peça, quilómetros de rolos rasgados, manchados, ou com anotações feitas por tradutores pouco respeitosos! Se quiser, há lugar para você no meu staff, Francis»

Cortesia de wikipedia e jdact

As Lágrimas do Papa
«(…) Dou-me por vencido. Mas vamos voltar ao seu trabalho actual. Falou da Fundação; trata-se da Fundação Meyer, não é? Isso mesmo. Uma fábrica imensa financiada por um enorme número de subvenções: a Unesco, o Ministério da Cultura, dois ou três grupos privados... Confesso que não me preocupo muito em saber de onde vem o dinheiro. Afinal, disponho de um orçamento considerável, que me possibilitou o luxo de ter os melhores profissionais de informática do mundo para me preparar um supercomputador. Esse computador parte de alguns fragmentos de velino cobertos de letras em tinta empalidecida pelos séculos e me ajuda a completar os espaços vazios do quebra-cabeça, escolhendo a solução certa entre milhões de possibilidades. A minha equipa e eu baptizamos essa máquina de Largehead. Mas o seu trabalho, Didier... Um minucioso trabalho de paciência, prosseguiu Mosèle, que se encaixará na cadeia de estudos iniciados pelo padre Benoit, pelo professor John Strugnelle, pelo dominicano Roland Vaux, pelo doutor Stafford e por muitos outros pesquisadores, famosos ou anónimos, que consagraram as suas vidas a reconstituir, peça por peça, quilómetros de rolos rasgados, manchados, ou com anotações feitas por tradutores pouco respeitosos! Se quiser, há lugar para você no meu staff, Francis.
Está brincando, Didier? Está propondo que faça parte da sua equipa? Sou o chefe da unidade de pesquisa, posso contratar quem eu quiser para me ajudar no trabalho, desde que a pessoa em questão tenha a competência necessária. Aceito imediatamente! Assino com o meu sangue qualquer contrato agora mesmo!, exclamou Marlane, quase gritando. Hertz, então, virou-se impetuosamente para os dois novos irmãos e disse: isso se chama pacto! Como veem, a franco-maçonaria também destila os seus pequenos milagres. Ela os uniu esta noite... Leu as nossas fichas, Martin, observou Mosèle. Portanto, não finja surpresa. Já suspeitava de que algum dia tocaríamos nesse assunto. Conhece as nossas respectivas profissões e os nossos centros de interesse. Não vejo nenhum milagre nisso. Naturalmente, admitiu Martin Hertz. No entanto, algum de vós podia não ter sido aceito por esta Loja. E, assim, essa conversa jamais ocorreria. Concordo, reconheceu Mosèle. Mas isso não impede que eu não aprecie muito o termo milagre.
Hertz deu um sorriso sagaz e balançou a grande cabeça, apertando os olhos. E disse: porventura, prefere a palavra acaso? Por acaso, sim... Prefiro!, opinou Mosèle. Martin Hertz  preparava-se para retomar a palavra com uma expressão de cobiça, quando, subitamente, o seu olhar se entristeceu, como se houvesse sido tomado por uma violenta tristeza. De repente, pareceu muito envelhecido aos olhos de Mosèle. Como Hertz ficara em silêncio, Mosèle virou-se para Marlane e perguntou: sexta-feira? Está bem? Espero-o na sexta-feira por volta das 10 horas, na Fundação Meyer, na praça d'Alleray. Eu lhe farei um esboço do meu trabalho, apresentarei a minha equipa... e Largehead. Vai ficar espantado, Francis. Sem ele, os 4Q456-458 continuariam a ser enigmáticos pedaços de velino, rabiscados e mudos. Ele passou a ser um verdadeiro colega para nós... Nesse caso, estou ansioso para conhecê-lo, disse Marlane, entusiasmado.
Tudo havia sido decidido naquela noite. Mosèle acabara de condenar Francis Marlane à morte, ao propor que participasse dos seus trabalhos. Por volta da meia-noite, os irmãos da Loja Eliah deixaram o Círculo Escocês em pequenos grupos. Mosèle tinha estacionado o carro no bulevar dos Batignolles, e andou um pouco na companhia de Marlane e de Hertz. Este último havia recuperado o bom humor de fachada e monopolizara a conversa, parecendo não se importar com a chuva que lhe escorria pela careca. Verão, disse ele. Com o tempo, a iniciação lhes abrirá diversas vias de introspecção. Esta noite nunca terá um fim para vocês. Eu fui iniciado há trinta e dois anos. Parece ontem! — Acho que compreendo..., observou Mosèle. Hertz despediu-se dos dois irmãos com três beijos. Parei o carro no estacionamento.
Afastou-se. Mosèle e Marlane olharam-no por um instante. Ele andava com surpreendente leveza, apesar do peso. Acho que ele é advogado, disse Marlane. Já o conhecia antes? Tive de vê-lo duas vezes... Isso mesmo. O meu padrinho me apresentou a ele no ano passado e almoçamos juntos em Junho. Ele o espremeu, como fez comigo?, perguntou Mosèle. Por mais de três horas! Tudo foi falado: a minha vida, as leituras, o lazer... Tudo! Esse homem possui o dom de soltar a língua das pessoas. A propósito, é casado, Didier? Não. Digamos que fiz algumas tentativas infrutíferas. E você? Ela chama-se Emylie. Conversaram por mais alguns minutos; depois se separaram mencionando o próximo encontro. Beijaram-se. Parecera natural. Três vezes... Três beijos rituais de fraternidade». In Didier Convard, O Triângulo Secreto, As Lágrimas do Papa, Editora Bertrand Brasil, 2012, ISBN 978-852-861-550-0.

Cortesia de EBertrandBrasil/JDACT