terça-feira, 3 de julho de 2018

O Júri. John Grisham. «O fotógrafo estava numa cadeira encostada à parede, de frente para a longa mesa dos advogados, assistentes e especialistas em júris»

Cortesia de wikipedia

«(…) Não se encaixava no modelo de jurado, mas merecia certamente ser observado. O problema com Easter, potencial jurado número cinquenta e seis, era o pouco que sabiam sobre ele. Tinha chegado à Costa do Golfo há menos de um ano e não tinham uma pista sequer sobre o local de onde viera. O seu passado era um completo mistério. Alugou um quarto a oito quarteirões do prédio do tribunal de Biloxi, tinham fotografias do prédio, e, primeiro, trabalhou como empregado de mesa num casino na praia. Rapidamente foi promovido a croupier, mas deixou o casino quatro meses depois. Assim que o jogo foi legalizado no estado do Mississipi, da noite para o dia, surgiram na costa uma dezena de casinos, e aos casinos seguiu-se uma intensa onda de prosperidade. De todos os lados chegaram pretendentes aos novos empregos e seria lógico supor que Nicholas Easter tivesse chegado a Biloxi pelo mesmo motivo que milhares de outros. A respeito da sua mudança para Biloxi, a única coisa estranha a registar era a pressa com que se tinha recenseado como eleitor.
Nicholas tinha um Volkswagen (carocha) de 1969 e uma fotografia do carro substituiu o seu rosto na parede. Nada de mais. Um homem de vinte e sete anos, solteiro, supostamente estudante, o tipo perfeito para ter aquele tipo de carro. Nenhum autocolante nos pára-choques. Nada que indicasse a filiação política, consciência social ou preferência por algum clube desportivo. Não tinha sequer um autocolante do parque de estacionamento da faculdade. Nem mesmo um autocolante desbotado do stand que lhe vendera o carro. O carro não tinha qualquer tipo de significado para aquela investigação. Nada, a não ser denunciar um estado de quase pobreza. O homem que manuseava o projector, e que se encarregava da maior parte da apresentação, era Carl Nussman, um advogado de Chicago que deixara de exercer para abrir uma firma de consultoria de júris. Por uma pequena fortuna, Carl Nussman e a sua firma podiam escolher o júri perfeito. Coligiam dados, tiravam fotografias, gravavam vozes, contratavam louras com jeans justos para situações adequadas. Carl e os sócios movimentavam-se muito perto dos limites da lei e da ética, mas era impossível incriminá-los. Na verdade, não há nada de ilegal em fotografar possíveis jurados. Em Harrison County tinham feito investigações exaustivas por telefone, a primeira vez há seis meses, a segunda há dois e, a última, passado um mês, tudo para aferir a opinião da comunidade sobre o fumo e para esquematizar diferentes modelos de jurados perfeitos. Não ficou por tirar nenhuma possível fotografia e não houve nenhum podre de algum dos potenciais jurados que tivesse ficado esquecido ou que não tivesse sido classificado. Tinham um dossier completo sobre cada um dos jurados potenciais.
Carl apertou um botão e o slide foi substituído pela fotografia de um prédio com a pintura desbotada onde, num dos apartamentos, vivia Nicholas Easter. Pressionado outro botão, apareceu de novo o rosto de Nicholas Easter. Assim, apenas temos estas três fotografias do número cinquenta e seis, disse Carl, num tom ligeiramente frustrado, voltando-se com um olhar de censura para o fotógrafo, um dos seus inúmeros espiões particulares que, apesar disso, explicou as circunstâncias arriscadas em que conseguira fotografar o rapaz, todas passíveis de o denunciarem. O fotógrafo estava numa cadeira encostada à parede, de frente para a longa mesa dos advogados, assistentes e especialistas em júris. Parecia entediado e pronto para sair. Eram sete horas de uma noite de sexta-feira. O número cinquenta e seis estava projectado na parede e ainda faltava analisar cento e quarenta. Ia ter um fim-de-semana horrível. Precisava absolutamente de uma bebida. Uma meia dúzia de advogados com camisas amarrotadas e mangas arregaçadas, tomando infindáveis notas, olhava ocasionalmente para o rosto de Nicholas Easter projectado na parede atrás de Carl. Especialistas em júris de quase todos os géneros, psicanalistas, sociólogos, grafólogos, professores de Direito e assim por diante, arrumavam papéis e consultavam pilhas de folhas de dois centímetros de espessura com textos impressos em computador. Não sabiam ao certo o que fazer com Easter. Era um mentiroso que escondia o passado mas, mesmo assim, parecia-lhes bem, tanto no papel como na parede». In John Grisham, O Júri, 1996, Editora Rocco, tradução de Aulyde Amaral, 2001, ISBN 972-759-293-7.

Cortesia de ERocco/JDACT