quarta-feira, 18 de julho de 2018

O Faraó Negro. Christian Jacq. «Embora tivesse o título de rei do Alto e do Baixo Egipto, Piankhi não saía da sua capital, Napata. Coroado aos vinte e cinco anos, o faraó negro reinava há vinte anos…»

jdact e cortesia de wikipedia

«(…) Musculoso, excelente nadador, o rapaz tinha a intenção de conquistar todas três. Visto que não tinham fugido, isso não equivalia a dar o seu consentimento de forma implícita? No entanto, a rude região da quarta catarata do Nilo não fazia sonhar com o amor. Correndo surpreendentemente de nordeste para sudoeste, o rio exibia a sua força selvagem, abrindo com dificuldade passagem por entre os blocos de granito ou de basalto e as ilhotas inóspitas que tentavam travar o seu curso. Nas margens hostis, a areia e as pedras concediam apenas um pequeno espaço para as fracas culturas; e os ueds (cursos de água temporários das regiões desérticas) que penetravam no deserto ficavam secos durante quase todo o ano. Vigorosas palmeiras-tamareiras agarravam-se a encostas abruptas que, aqui e além, se transformavam em falésias escuras. Para os viajantes que passavam na região da quarta catarata, esta revelava-se como uma antecâmara do inferno. Mas Puarma vivera naquela solidão uma infância maravilhosa e conhecia o menor recanto daquele labirinto rochoso. Com perfeito controlo, atraiu os búfalos para uma espécie de canal onde poderiam refrescar-se em perfeita segurança. Vinde, disse ele às três beldades. Já não há perigo nenhum! Elas consultaram-se com o olhar, trocaram algumas frases risonhas e depois saltaram com agilidade de rocha em rocha para se irem juntar ao rapaz.
A mais audaciosa saltou para o dorso de um búfalo e estendeu os braços em direcção de Puarma. Quando ele tentou agarrá-la, recuou e deixou-se cair para trás. Nadando por baixo de água, as duas companheiras agarraram o rapaz pelas pernas e puxaram-no para si antes de voltarem à superfície. Encantado por tornar-se seu prisioneiro, Puarma acariciou um seio admirável e beijou uns lábios ardentes. Nunca agradeceria suficientemente aos búfalos do seu primo por terem tido a ideia de fugir. Entregar-se aos jogos do amor com uma jovem núbia flexível como uma liana era um momento de graça, mas tornar-se o brinquedo de três amantes ávidas e inventivas assemelhava-se a um impossível paraíso... Na água, Puarma fingiu lutar para conservar uma relativa autonomia mas, quando elas o arrastaram para a margem, cessou qualquer resistência e abandonou-se aos seus mais audaciosos beijos. De repente, a que se tinha estendido em cima dele soltou um grito de susto e levantou-se. As duas companheiras imitaram-na e todas três debandaram como gazelas. Mas o que é que vos deu?... Voltem! Despeitado, Puarma levantou-se por sua vez e voltou-se.
Em pé sobre um rochedo que dominava o ninho de amor estava um colosso de um metro e noventa, com a pele de um negro de ébano que brilhava sob o sol ardente. Com os braços cruzados, usando um saiote de linho branco imaculado, o pescoço adornado por um fino colar de ouro, o homem tinha um olhar de rara intensidade. Puarma ajoelhou e tocou com a testa no solo. Vossa Majestade... Ignorava que estáveis de regresso. Veste-te, capitão dos archeiros. Puarma era um valente que não hesitava em bater-se a um contra dez, mas suportar o olhar do faraó negro ultrapassava as suas forças. Tal como os outros súbditos de Piankhi, sabia que uma força sobrenatural animava o soberano e que só ela lhe permitia reinar. Majestade... Estará prestes a rebentar algum conflito? Não, sossega. A caça foi excelente e decidi regressar mais cedo do que estava previsto. Piankhi tinha o costume de meditar naquele caos rochoso de onde contemplava o seu isolado país que tanto amava. Rude, hostil, secreta, aparentemente pobre, a Núbia profunda, tão distante do Egipto, formava almas fortes e corpos vigorosos. Aqui se celebravam todos os dias as núpcias do sol e da água, aqui soprava um vento violento, ora glacial ora ardente, que modelava a vontade e tornava os seres capazes de enfrentar as provações quotidianas.
Embora tivesse o título de rei do Alto e do Baixo Egipto, Piankhi não saía da sua capital, Napata. Coroado aos vinte e cinco anos, o faraó negro reinava há vinte anos, consciente das fracturas políticas e sociais que tornavam o Egipto fraco como uma criança. No Norte, os ocupantes, os guerreiros líbios, digladiavam-se constantemente para conseguirem mais poder; no Sul, a cidade santa de Tebas, onde estavam instaladas as tropas núbias, encarregadas de proteger o domínio do deus Amon contra qualquer agressão. Entre o Norte e o Sul, o Médio Egipto, com dois fiéis aliados do faraó negro, os príncipes de Heracleopólis e de Hermopólis. Bastava a sua presença para dissuadir os nortistas de saírem da sua zona de influência. É verdade que esta situação não agradava a Piankhi. Mas contentava-se com o bem-estar de Tebas e com o embelezamento da sua própria capital onde mandara construir um soberbo templo em glória de Amon, verdadeira réplica do seu santuário de Karnak. Ser um construtor, seguindo o exemplo dos grandes monarcas do passado, era a única ambição de Piankhi. E os deuses tinham-lhe oferecido uma terra mágica onde a voz de Maât, a deusa da justiça e da verdade, continuava a fazer-se ouvir. Bater-se-ia até ao limite das suas forças para preservar esse tesouro. Tens treinado os teus homens ultimamente? Com certeza, Majestade! Os meus archeiros estão sempre em pé de guerra. Caso contrário, amolecem. Ordena e combateremos!» In Christian Jacq, O Faraó Negro, 1997, Bertrand Editora, 1998, ISBN 978-972-251-049-3.

Cortesia de BertrandE/JDACT