quarta-feira, 4 de julho de 2018

Tempo de Matar. John Grisham. «O lago Chatulla não passava de um enorme buraco lamacento feito pelo homem, com uma represa coberta de mato de um quilómetro e meio de extensão numa das suas extremidades»

Cortesia de wikipedia e jdact

«Billy Ray Cobb era o mais jovem e mais baixo dos dois homens brancos. Com vinte e três anos era veterano de Parchman, a penitenciária estadual, tendo cumprido uma pena de três anos. Posse, com intenção de venda. Era um vagabundo magro e rijo que tinha sobrevivido à prisão graças a um bom estoque de drogas que ele vendia e às vezes dava aos negros e aos guardas, em troca de protecção. No ano seguinte à sua saída da cadeia, Billy Ray Cobb prosperou e o seu pequeno negócio de tráfico de drogas elevou-o à posição de um dos mais ricos caciques brancos de Ford County. Era um homem de negócios com empregados, obrigações, contratos e tudo, menos impostos. Na revendedora Ford de Clanton, ele era conhecido como o último homem na história recente a pagar em dinheiro vivo por uma pick-up. Dezasseis mil dólares na ficha por uma pick-up Ford de luxo, feita sob encomenda, tracção nas quatro rodas, amarelo-canário. As rodas cromadas e os pneus faziam parte do acordo de compra. A bandeira rebelde, no vidro traseiro fora roubada por Cobb de um rapaz bêbado durante uma partida de futebol em Ole Miss. A pick-up era o objecto mais valioso de Billy Ray. Sentado na traseira da camioneta, bebendo cerveja e fumando um cigarro, Billy observava o amigo Willard na sua vez de se divertir com a garotinha negra. Willard era quatro anos mais velho e dez anos mais burro. De um modo geral era inofensivo, nunca se tinha metido em problemas sérios nem num emprego fixo. Talvez uma noite na cadeia por causa de uma briga ocasional, mas nada de importante. Dizia-se lenhador, cortava madeira para a fábrica de papel até ao dia em que um problema na coluna o afastou das florestas. Sofrera um acidente quando trabalhava numa plataforma marítima, no Golfo, e recebera uma boa indemnização da companhia de petróleo. O dinheiro desapareceu quando a ex-mulher o deixou completamente liso. A principal ocupação dele era trabalhar meio período para Billy Ray Cobb, que não pagava muito mas era um mãos aberta com as drogas. Pela primeira vez em muitos anos, Willard podia ter sempre alguma coisa. E ele estava sempre precisando delas. Isso desde o acidente que lhe tinha afectado a coluna.
Gwen Hailey teve um pressentimento horrível. Normalmente ela teria mandado um dos rapazes ao armazém, mas estavam de castigo, tratando do jardim, por ordem do pai. Tonya já tinha ido sozinha ao armazém, a dois quilómetros de casa, sem qualquer problema. Porém, ao fim de duas horas, Gwen mandou as crianças procurarem a irmã. Pensaram que ela devia estar na casa dos Pounder, brincando com as crianças, ou talvez se tivesse aventurado para além do armazém para visitar a sua melhor amiga, Bessie Pierson. O sr. Bates do armazém disse que ela tinha saído há uma hora. Jarvis, o irmão do meio, encontrou o saco com os mantimentos ao pé da estrada. Gwen telefonou para o marido na fábrica de papel, a seguir meteu Carl Lee Jr. no carro e começou a percorrer as estradas de terra em volta do armazém. Foi até um conjunto de casas velhas no Lugar Graham, para ver se ela estaria na casa de uma das tias. Parou na loja Broadway a dois quilómetros do armazém e um grupo de negros velhos garantiu-lhe que não a tinham visto. Gwen percorreu uma vasta área de estradas de terra em volta da sua casa.
Cobb não conseguia encontrar uma ponte que não estivesse cheia de crioulos com varas de pesca. Em cada uma delas havia quatro ou cinco pescando, com grandes chapéus de palha, e mais alguns debaixo da ponte, sentados em baldes, também com chapéus de palha e caniços de pesca, imóveis, a não ser por um ocasional movimento para espantar os mosquitos. Estava assustado. Willard, completamente bêbado, estava dormindo e não podia ajudar em nada. Cobb tinha de se desfazer da menina de modo que ela nunca pudesse contar o que tinha acontecido. Willard roncava enquanto ele percorria freneticamente as estradas de terra e de asfalto à procura de uma ponte ou de uma rampa ao lado do rio, onde pudesse parar e atirá-la à água sem ser visto por uma dezena de crioulos com chapéus de palha. Olhou pelo retrovisor e viu que ela tentava ficar de pé. Travou bruscamente e a menina caiu no fundo do carro, por baixo da janela. Willard ricocheteou no painel e escorregou para o chão, onde continuou roncando. Cobb insultou-os a ambos.
O lago Chatulla não passava de um enorme buraco lamacento feito pelo homem, com uma represa coberta de mato de um quilómetro e meio de extensão numa das suas extremidades. Ficava no extremo sudoeste de Ford County, e entrava ainda por alguns hectares de Van Buren County. Na Primavera, o lago era elevado à posição de maior massa de água do Mississipi. Mas no fim do Verão, terminadas as chuvas, o sol evaporava a água, secando quase por completo o lago. As linhas das margens, antes ambiciosas, retraíam-se agora, juntando-se praticamente no centro, criando uma bacia profunda cheia de água castanho-avermelhada. Vários regatos, pântanos e riachos alimentavam-no, vindos de todas as direcções além de duas correntes que podiam ser consideradas como rios. A existência de todos esses afluentes era a causa da construção de várias pontes em volta do lago». In John Grisham, Tempo de Matar, Bertrand Editora, 2015, ISBN 978-972-252-834-4.

Cortesia de BertrandE/JDACT