quinta-feira, 19 de julho de 2018

O Faraó Negro. Christian Jacq. «Majestade..., murmurou ele com dificuldade, desfazendo-se em lágrimas. Se fosses mais pesado, meu filho, estaríamos os dois mortos»

jdact e cortesia de wikipedia

«(…) Piankhi ergueu os olhos e viu um rapaz encostado à parede, com as mãos agarradas a uma saliência e os pés apoiados num pedaço de rocha friável. Para avançar mais depressa, o rapaz não tinha seguido pelo caminho formado por escadas e cordas, julgando-se capaz de escalar (Uraeus, representação da naja, símbolo, para os egípcios, da divindade e da realeza, bem como das divisões do céu, Oriente e Ocidente) a parede com as mãos nuas. Quando vira o escultor cair, fora invadido pelo pânico. Impotentes, com os braços caídos, os seus camaradas esperavam o desenlace fatal. Que idade tem esse rapaz? perguntou Piankhi. Dezassete anos. Quanto pesa? Não sei exactamente confessou Cabeça-fria mas é um magricela. Escolhe dois homens para me acompanharem. Majestade, não ides... Por cima dele as paredes aproximam-se. Se conseguir arranjar uma posição estável e agarrar-lhe a mão, tem uma hipótese de sobreviver. Cabeça-fria tremia.
Majestade, em nome do reino, suplico-vos que não correis semelhante risco! Considero-me responsável pela vida desse rapaz. Vamos, não há um segundo a perder. Dois talhadores de pedra de ombros fortes e pés seguros precederam Piankhi subindo a escada estreita que conduzia à primeira plataforma, formada por sólidas vigas de madeira de acácia. Aguenta-te disse Piankhi com uma voz forte que ressoou por toda a Montanha sagrada. Já aí vamos! O pé esquerdo do assistente de escultor deslizou e ficou por instantes suspenso no vácuo. Com um esforço de que já não se julgava capaz, o rapaz reencontrou o equilíbrio e conseguiu encostar-se de novo à parede. Tenho que subir mais considerou o rei. Deveis utilizar esta corda com nós, Majestade disse um dos talhadores de pedra. Piankhi trepou sem dificuldade e imobilizou-se numa saliência, por cima do infeliz cujos dedos começavam a ficar roxos à força de se agarrar ao rochedo. O monarca estendeu o braço direito, mas faltava-lhe ainda cerca de um metro para atingir aquele que pretendia salvar de uma morte horrível. Uma escada!, exigiu o monarca.
Os dois talhadores de pedra ergueram uma. Era tão pesada que todos os seus músculos se contraíram. Isso significava que aquilo que Piankhi tencionava fazer exigiria uma força hercúlea: colocar a escada em posição horizontal e encaixá-la entre as duas paredes. Lentamente, com uma concentração extrema, os dedos crispados no degrau central, o rei fê-la girar. Quando uma das extremidades tocou na rocha, soltaram-se alguns fragmentos que passaram a rasar a cabeça do rapaz, o qual soltou um grito abafado. Aguenta-te, rapaz! A escada estava encaixada. Piankhi avançou pela passarela improvisada; a madeira gemeu. Um dos degraus teve um rangido sinistro, mas suportou o peso do atleta negro. Com agilidade, este estendeu-se sobre a escada.
Estou muito perto de ti, meu rapaz. Vou estender o braço, tu vais agarrar o meu pulso e vou içar-te para esta escada. Não..., não aguento mais! Tens de voltar-te para veres o meu braço. É impossível... Impossível! Respira calmamente, concentrando-te na respiração, apenas na respiração, e gira sobre ti mesmo. Vou esmagar-me no chão, vou morrer! Principalmente, não olhes para baixo mas apenas para cima, para o meu braço estendido! Está mesmo por cima da tua cabeça. A escada gemeu de novo. Gira sobre ti mesmo e volta-te!, ordenou Piankhi em tom imperioso. Tetanizado, sem respiração, o assistente do escultor obedeceu. Desajeitados e incertos, os pés deslizaram contra sua vontade. No instante em que ia encontrar-se face ao vácuo, o jovem escorregou. De olhos esbugalhados, oscilou no abismo. Estendendo-se até quase deslocar o ombro, Piankhi conseguiu agarrar o pulso esquerdo do rapaz. O choque foi violento, mas o rei conseguiu içá-lo para a escada. Majestade..., murmurou ele com dificuldade, desfazendo-se em lágrimas. Se fosses mais pesado, meu filho, estaríamos os dois mortos. Condeno-te a trabalhar um mês com as lavadeiras por teres violado as regras de segurança. Na base do pico, os camaradas do rapaz que acabara de ser salvo felicitaram-no, depois de terem aclamado o rei. Cabeça-fria continuava a parecer pouco satisfeito. O rapaz está vivo, não é o essencial? Não vos disse tudo, Majestade. O que há mais? Devo confirmar-vos os meus receios; alguns membros da vossa corte, e não dos menos importantes, põem em causa a vossa legitimidade». In Christian Jacq, O Faraó Negro, 1997, Bertrand Editora, 1998, ISBN 978-972-251-049-3.

Cortesia de BertrandE/JDACT