domingo, 22 de julho de 2018

As Egípcias. Christian Jacq. «A história das dinastias redigida pelo sacerdote egípcio Maneton perdeu-se, mas subsistem fragmentos citados por autores da Antiguidade»

Cortesia de wikipedia e jdact

Nitocris, a Primeira Mulher Consagrada Faraó
O reinado de Nitócris
(…) De acordo com o grego Eratóstenes, o nome Nitócris significa Atenas é vitoriosa, e não andava longe da verdade, porque Nitócris, em egípcio Neit-iqeret, pode traduzir-se por Neit (o modelo egípcio da Atenas grega) é excelente. Mais uma vez, a deusa Neit é a protectora de uma mulher de primeiro plano.

Bela e corajosa
A história das dinastias redigida pelo sacerdote egípcio Maneton perdeu-se, mas subsistem fragmentos citados por autores da Antiguidade. Um deles, conservado num texto de Eusébio, fala nestes termos da faraó Nitócris: Uma mulher, Nitócris, reinou; tinha mais coragem do que os homens da sua época e era a mais bela de todas as mulheres, loira e de faces rosadas. Diz-se que construiu a terceira pirâmide. De acordo com uma tradição tardia, teria sido sepultada com o corpo repousando sobre um sarcófago em basalto azul. Esta terceira pirâmide poderia ser a de Miquerinos, no planalto de Gize, mas não foi encontrado nenhum vestígio de Nitócris aí. Em contrapartida, certos arqueólogos crêem que o monumento foi restaurado na época da mulher faraó; a atenção que prestou a este grandioso monumento explica talvez a lenda. A beleza de Nitócris faz pensar nos títulos das rainhas do Antigo Império: grande no amor, de belo rosto, encantadora, soberana no encanto, que satisfaz a divindade graças à sua beleza, à voz feiticeira com que canta, que enche os palácios com o odor do seu perfume, a soberana de todas as mulheres, a senhora das Duas Terras e da Terra até aos seus confins. Trata-se, pois, de uma beleza ritual, de um encanto consubstancial à função de rainha do Egipto e, afortiori, à de rainha faraó.
Outra lenda tardia, de que não encontramos vestígios nos documentos egípcios, afirma que Nitócris era a esposa de um rei que havia sido assassinado por traidores. Este acto odioso não lhes permitiu reinar e por isso pediram à pobre Nitócris que governasse a fim de não interromper a linhagem legítima. A jovem aceitou, mas preparou a sua vingança em segredo: mandou construir uma grande sala subterrânea e convidou os traidores para um banquete para festejarem a vitória; enquanto festejavam, Nitócris mandou abrir um cano por onde a água entrou. Os traidores afogaram-se e Nitócris suicidou-se lançando-se a uma câmara cheia de cinzas, onde sufocou. Um dramático conto oriental, mas sem fundamento histórico.

O fim do Antigo Império
O glorioso tempo das pirâmides termina com o reinado de Nitócris, seguindo-se um período confuso acerca do qual estamos muito mal informados. Instaura-se uma grave crise que, sem pôr em causa a instituição faraónica, parece traduzir-se em perturbações sociais e económicas. Cheias nocivas, brusca alteração climatérica, invasão de tribos beduínas, enfraquecimento do poder central, aumento do poder dos chefes das províncias que esquecem o interesse geral? Numerosas explicações foram avançadas sem que se obtivesse uma certeza. Nem sequer conhecemos com exactidão aquilo que os egiptólogos designaram por o primeiro período intermédio, intermédio entre o fim do Antigo Império e o início do Médio: entre cem a cento e noventa anos, durante os quais o Egipto enfraquece. O reino de Nitócris foi, pois, o último do Antigo Império, dessa idade áurea do Antigo Egipto; durante cerca de cinco séculos, faraós construtores de pirâmides edificaram um mundo de uma força e beleza incomparáveis. Se é verdade que um povo feliz não tem história, este pensamento aplica-se maravilhosamente bem ao Antigo Império, em que reis e rainhas falam da sua função, do seu papel de ligação entre o divino e o humano, da prática dos rituais concebidos como uma ciência da vida. Mas é em vão que buscamos pormenores da sua vida privada ou a sua história pessoal, pois filiações e genealogias são incertas. Os baixos-relevos dos túmulos, porém, põem em cena o quotidiano e as venturas dos meses e dos dias naqueles tempos em que a História havia sido ritualizada e concebida como uma festa. Seria injusto considerar Nitócris como responsável pela quebra produzida; na realidade, a sexta dinastia enfraqueceu pouco a pouco e, durante o longo reinado de Pépi II, evoluções negativas, difíceis de perceber em consequência da pobreza de documentação, conduziram o Egipto à crise». In Christian Jacq, As Egípcias, Edições ASA, 2002, ISBN-978-972-413-062-0.

Cortesia de EASA/JDACT