quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Dona Leonor. A Triste Rainha. João Silva Sousa. «… o rei revelar-se-ia, durante o seu período efectivo de governo e substituto do pai, um homem de gabinete»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) No Livro da Ensinança, podemos situar-nos nos problemas da nobreza do País que começam agora a agudizar-se com a sua menor frequência de ocupação profissional. Por outro lado, como o nobre da sétima idade era quase todo proveniente da burguesia, não tinha conhecimentos nem prática da cavalaria na devida conta!(diz o rei; mas esto faço por ensynar os que nom souberem, e trazer em renembrança aos que mais sabem as cousas que lhes bem parecerem, e nas fallecidas enmendando no que screvo a outros poderem avysar) A ausência de conflitos armados, o panorama da paz que, então, podia desfrutar-se, criaram um ambiente propício para o esquecimento de tão nobre desporto e arte, que convinha manter para que as pessoas se achassem sempre aptas a responder a uma eventualidade.
Por outro lado, os fidalgos começavam a interessar-se pelas suas Cortes da Aldeia, para descanso e refazimento de agitações anteriores constantes, e a interessar-se mais pelos serões palacianos, pelo convívio, noutros termos, mais próximo da Família Real e, ao desporto da cavalaria preferiam, como nos refere o soberano, a fala das mulheres, o seu trajar, calçar, jogar à pela, cantar e dançar, porque conhecendo a manha de seer boo cavalgador he hua das principaaes que os senhores cavalleiros e scudeiros devem aver, screvo alguas cousas per que seran ajudados pêra a melhor percalçar os que as leerem com boa vontade e quyserem fazer o que per mym em esto lhes for declarado. É muito justamente considerado o primeiro manual da equitação da Literatura europeia ocidental. Toda a obra é fruto da sua experiência: nom screvo do que ouvi, mas daquela que per grande costumo tenho aprendido (e, neste caso concreto, o rei Duarte chama a atenção dos seus leitores para os avisos que seu pai, João I, já havia enumerado no seu Livro da Montaria; o monarca Duarte I refere-se igualmente no Leal Conselheiro, a esta mesma obra de que possuía um exemplar que corresponde ao n.º 32 do Catálogo da sua Livraria). O livro trata da equitação desportiva e lúdica e da equitação bélica. Ensinando a montar para jogos e distracções, não esquece a luta a cavalo. O livro divide-se em sete partes:

a primeira, acerca do poder do corpo e da fazenda: ser forte;
a segunda, do sseer sem receo;
a terceira, da segurança;
a quarta de seer assessegado, i.e., estar em sossego;
a quinta de seer solto;
a sexta da Enssynança de bem feryr das sporas, e quejandas devem seer; e
como com paao ou vara alguas vezes as bestas se devem governar;
a sétima, por fim dalgua Enssynança pera os periigos e cajoões que a cavallo
acontecem nos podermos com a graça de Deus guardar.

De resto, o que nos diz Oliveira Martins, quase em constante contradição com Rui Pina e Duarte Nunes Leão, é absolutamente insustentável depois de um estudo atento à psicologia de quem era um espírito equilibrado e sensato e que se, alguma vez, hesitou, este homem voluntarioso só conheceu uma vontade superior à sua: a de Deus (Cf. Álvaro Júlio Costa Pimpão, História da Literatura Portuguesa. Idade Média, Coimbra, 1959; disse Duarte I, Nosso Senhor Deus em gran mercê teria se de minha vida, feitos e dictos muitos filhassem proveitosa ensinança e nunca o contrairo; ca scripto he: aquel que faz o pecador em seu viver de maau caminho tornar, guança sua alma e ser-lhe-am cobertos e relevados gram multidam de pecados).
Se nos é possível, neste ponto, acrescentar duas palavras, o rei Duarte I, conheceu também duas mulheres voluntariosas, fortes e orientadoras nos momentos de maior hesitação. Ambas estrangeiras e de superior educação, renovadoras da nossa Sociedade, uma autêntica lufada de ar fresco:

a mãe, dona Filipa de Lencastre;
e a mulher, dona Leonor de Aragão.

Assim se compreenderá como era instruído, possuindo uma esplêndida Livraria e como adorava a leitura. Apesar de ser o autor do Livro da Ensinança de Bem Cavalgar Toda Sela e do Leal Conselheiro, o rei revelar-se-ia, durante o seu período efectivo de governo e substituto do pai, um homem de gabinete». In João Silva Sousa, Dona Leonor, A Triste Rainha, FCSHUN de Lisboa,Wikipédia.

Cortesia de Wikipedia/FCSHUNLisboa/JDACT