quinta-feira, 15 de novembro de 2018

O Assassin de Lisboa (1142-1143). Assim Nasceu Portugal. Domingos Amaral. «Abraçada por ele e encantada com tais palavras, a minha cunhada sentiu-se subitamente eufórica. Afinal, com Lisboa e uma lança sagrada…»

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O Assassin de Lisboa 1142-1143
Lisboa, Abril de 1142
«(…) Já podeis descer, estais salvas!, disse. Com desenvoltura, fez um gesto com a mão, convidando-as a deixar o veículo em segurança, coisa que as três raparigas não fizeram, pois Ília comentou com as irmãs que ele, apesar de dotado com o punhal, não passava de um rapazola. Com uma careta brincalhona, insinuou: se tivesse mais uns anitos... Sem esmorecer, Pêro Pais sorriu e recuou uns passos, o que levou Chamoa a comentar com Mem: vai longe, este meu filho. De seguida, o almocreve anunciou o desejo de ir falar com Afonso Henriques, e os outros acederam. O grupo atravessou a porta da cidade de Coimbra e dirigiu-se ao castelo, onde só o almocreve e a minha cunhada entraram, aparecendo de rompante na sala onde eu estava, junto ao príncipe de Portugal. Mem!, exclamei.
Espantado mas contente, abracei o almocreve. Gostava genuinamente dele. E também Afonso Henriques o estimava, desvanecido um certo ciúme que sentira, pois aquele era o único homem que, primeiro do que ele, tinha filhado Chamoa e Zaida. A princesa propõe-vos um pacto com Ibn Qasi, anunciou ele. Mem contou que Zaida casara com o emir de Silves e esperava já um filho, novidade que levou Afonso Henriques a suspirar: podia ser meu... Irritada, Chamoa enxofrou-se: não vos chega o filho que me haveis feito? O meu melhor amigo pacificou-a, amava-a só a ela. Mas Zaida era especial. Piscando o olho à minha cunhada, acrescentou: minha amiga e vossa!
Enciumada primeiro, Chamoa encolheu os ombros, mas depois, para equilibrar a situação, sorriu ao almocreve e disse: que bom que estais cá, Mem querido... Afonso Henriques incomodou-se e, por conhecer bem a mulher com quem dormia, regressou ao tema inicial, afirmando que uma aliança com Ibn Qasi seria desnecessária. Numa missiva chegada dias antes, Bernardo de Claraval, abade de Cluny e patrono dos templários, informara-o de que estava a caminho uma frota de cruzados, a qual, antes de seguir para Jerusalém, iria ajudar os portucalenses a conquistarem Lisboa. Sabeis o que lá vi?, alvoroçou-se Mem. - A Lança de Cristo, nas mãos de Orimar, o chefe dos sinistros Mantos Vermelhos! Estais certo disso?, perguntei.
Ainda me sentia responsável pela perda da sagrada relíquia em Ourique e por isso impus aquela confirmação. Quando o almocreve o garantiu, um também entusiasmado Afonso Henriques rejubilou, pois, se conquistasse Lisboa e recuperasse a relíquia sagrada, o Papa seria obrigado a reconhecê-lo rei de Portugal! Os seus olhos brilhavam de alegria quando proclamou: primeiro, Lisboa, depois, Chamoa! Se conquistar a cidade, o Papa far-me-á rei, e eu vos farei rainha!
Abraçada por ele e encantada com tais palavras, a minha cunhada sentiu-se subitamente eufórica. Afinal, com Lisboa e uma lança sagrada, ele seria rei e ela rainha, as sombras do futuro iam desaparecer! Não seria necessário revelar a infame intriga de Compostela. Chamoa queria ser rainha e, no momento em que isso voltava a ser possível, não ia arruinar estupidamente aquela caminhada empolgante e épica em direcção ao trono de Portugal.
Primeiro, Lisboa, depois, Chamoa». In Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal, Oficina do Livro, Casa das Letras, 2017, ISBN 978-989-741-713-9.
                                                                                                    
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