quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Onomástica Galega em duas cidades do sul de Portugal. Santarém e Évora. Maria Ângela Beirante. «… o desenvolvimento demográfico das cidades medievais europeias se fez principalmente à custa de movimentos migratórios»

Cortesia de wikipedia e jdact

«O meu interesse pela nossa história urbana levou-me a estudar o passado medieval de duas cidades portuguesas reconquistadas no século XII: Santarém, situada na margem direita do rio Tejo e Évora, no centro do Alto Alentejo, ambas localizadas portanto no Sul de Portugal. Em qualquer dos casos deparei com a presença constante da onomástica galega, quer a nível da antroponímia quer da toponímia. Em Santarém o apelido Galego surge nos documentos dos séculos XIII e XIV e atesta a fixação de gente do Norte que, vindo povoar a cidade, acaba por adquirir nela uma posição militar e económica de relevo. Os seus portadores residem de preferência na zona nobre: ou na Alcáçova, ou na freguesia de St.° Estêvão (ou do Santíssimo Milagre). Exemplifiquemos: João Domingues Galego, que em meados do século XIV vivia na freguesia de St.° Estêvão, era um rico proprietário da região. Era detentor de uma excelente lezíria do termo de Santarém, junto do Tejo, abaixo dos paços de Valada, onde recolhia 100 moios de pão meado e 2.000 pedras de linho. Esta lezíria era conhecida por Lezíria do Galego. É possível que se tratasse de um préstamo régio, pois em 1371 o rei Fernando I doou-a por jur de herdade a João Afonso Teles Meneses, conde de Ourem e tio de Leonor Teles.
Da antroponímia passamos à toponímia. Assim, abaixo dos paços do bispo de Lisboa, situados em Santarém, ficava o Vale dos Galegos, certamente agricultado por povoadores galegos. A 9 Km para N. da cidade fica o lugar da Póvoa dos Galegos (actual Póvoa de Santarém) que denuncia a mesma origem. Dentro da própria cidade ficava e ainda se conserva o Beco dos Galegos, na proximidade da antiga Mouraria e situado numa zona urbana periférica.
No caso de Évora inventariei todos os apelidos de família registados nos documentos conhecidos desde o século XIII ao XV relativos à cidade e constatei que perfazem o elevado número e 1694. Cerca de 20% destes apelidos são de origem geográfica. O apelido de origem geográfica que apresenta maior número de registos [53] é o de Castelão ou Castelhano, mas só surge na onomástica eborense na segunda metade do século XIV e no seguinte é frequentemente conotado com o epíteto de estrangeiro. O segundo apelido de origem geográfica mais frequente em Évora é o de Galego (42 registos). O seu aparecimento é contudo mais precoce que o anterior pois surge nos documentos no século XIII.
Charles Higounet considera que os nomes de origem geográfica constituem um material de alto valor para o estudo do movimento das populações. Por isso a frequência do apelido Galego em Évora da Idade Média não pode deixar de nos revelar uma corrente migratória de elementos populacionais oriundos da Galiza que se estabelecem na cidade alentejana a partir da reconquista. Esta corrente migratória é atestada pela toponímia urbana.
Existem em Évora medieval 2 ruas dos galegos, que parecem traduzir a fixação massiva de 2 colónias de imigrantes em momentos diferentes da história urbana. A Rua dos Galegos Velha situava-se a norte, à porta de Avis, perto da Mouraria, e onde, na época muçulmana, se encontrava o arrabalde moçárabe da igreja de S. Mamede. A segunda Rua dos Galegos ficava junto do mosteiro de S. Domingos e nela se achava a albergaria de S. Gião. Ambas as ruas se situam em lugares periféricos da urbe, mas importantes do ponto de vista da sua vida de relação. É possível que o convento dominicano tenha tido alguma intervenção no processo de instalação dos imigrantes, ao mesmo tempo que construía à sua volta casarias para os novos povoadores.
Sabemos que, de um modo geral, o desenvolvimento demográfico das cidades medievais europeias se fez principalmente à custa de movimentos migratórios. Porém estes movimentos foram particularmente intensos na Península Ibérica, pela existência do que podemos chamar uma fronteira em movimento. Esta fronteira em movimento é responsável pela ocorrência de fluxos e refluxos migratórios ao sabor das contingências da reconquista. Assim, por exemplo, no que toca à Galiza, no início do domínio islâmico, teria recebido numerosos refugiados do vale do Douro, facto que incrementou grandemente a sua densidade demográfica. A Galiza foi especial pólo de atracção para os religiosos moçárabes e ainda no século IX alguns monges cordoveses emigram para a Galiza, onde os encontramos, por exemplo, no mosteiro de S. Julião de Samos». In Maria Ângela Beirante, Onomástica Galega em duas cidades do sul de Portugal, Santarém e Évora, Revista da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, nº 6, 1992-1993, III Congresso Internacional da Língua Galego-Portuguesa na Galiza, Vigo, 1990.

Cortesia da RevistaFCSH/JDACT