terça-feira, 13 de novembro de 2018

Portugal. A Primeira Nação. Freddy Silva. «Os dois cavaleiros nobres, Henrique e o seu distante, mas muito mais ambicioso, primo Raimundo, filho de Guilherme, o Grande, conde da Borgonha, partiram para o Norte da Ibéria a pedido de Afonso VI…»

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140 A. C., numa terra do oeste da Ibéria chamada Lusitânia...
«(…) A sua influência ainda se reflecte na origem dos nomes de locais de toda a Europa, como o rio Danúbio, ou as Paps of Anu, as lendárias colinas sagradas da Irlanda, em tempos veneradas por outra lendária raça celta, os tuadhe d’anu, o povo de Anu. Como tantas raças antigas, diz-se que os tuadhe implementaram a matemática, a agricultura, as artes e a música; possuíam o belo dom do temperamento e do conhecimento que lhes dava controlo sobre as forças da natureza, e esses atributos fizeram com que fossem comparados a deuses. O chefe dos lusitanos, Viriato, era celebrado como um líder celtibérico possuidor das mais nobres das antigas virtudes. Era honesto, justo e fiel à sua palavra, e as suas estratégias brilhantes venceram muitas guerras contra poderosas forças romanas, ao ponto de o recrutamento nas legiões ter baixado significativamente. Só através da traição é que os romanos se tornaram senhores deste pedaço de terra ferozmente independente no vértice da Europa e do Atlântico. Basta dizer que um ressentimento profundo, quase ódio, por todas as coisas romanas persiste até hoje no ADN dos seus habitantes.
Os lusitanos eram também um povo incrivelmente espiritual. Acreditavam na sobrevivência da alma, no Outro Mundo, e que em certas zonas da Terra há uma força especial que pode ser mobilizada para fazer a ligação a domínios que existem para lá dos cinco sentidos. Tais crenças encontrariam continuidade no mais celta dos sacerdócios, o dos druidas, que também encontrou um lar na Lusitânia, bem como na Galiza, a norte; e numa tribo celta na região da Dinamarca chamada burgundii, que um dia daria nome à província francesa da Borgonha. Os druidas tinham outra coisa em comum com os lusitanos: eram odiados e temidos na mesma medida por Júlio César, e ele fez questão de os obliterar a ambos durante a sua vida.
Depois de os romanos virem, verem, conquistarem e inevitavelmente perderem, a Lusitânia mudou de nome e lealdade inúmeras vezes, dependendo do vento político do mês. As regiões montanhosas são assim: de mente independente, espírito autónomo, teimosas até ao âmago. Porém, no século IX, a paisagem política começou a estabilizar, ou relativamente, pelo menos, dado que esta era a turbulenta Idade das Trevas, e fê-lo em torno de uma aldeia apropriadamente chamada Cale. Cale situava-se na foz do rio Douro (rio de Ouro), que corre para o oceano Atlântico no Norte do que é hoje Portugal. Os troianos foram talvez um dos primeiros grupos a instalar-se em Cale, pois o nome deriva da palavra grega kallis (belo), referindo-se à sinuosa beleza do fértil vale do Douro. Dada a forma como os troianos passaram por esta região na sua viagem rumo à Grã-Bretanha, a hipótese é consistente. Cale é também um etnónimo derivado da tribo celta que se instalou na região, os callaici, cujo nome provém da fonte da sua veneração, a deusa Cailleach, presente até hoje na tradição irlandesa. Assim, os callaici ou gallaeci associaram o seu nome ao respectivo lar no estuário, que se expandiu para Porto Cale (belo porto). O seu nome também se encontra em regiões importantes localizadas ali perto: Gaia, Galiza, e mais tarde o gal em Portugal. Mas estamos a adiantar-nos.
Com a evaporação dos lusitanos e dos romanos, a história local torna-se tão fácil de explicar como o padrão de tráfego dentro de um monte de térmitas. Em resumo, o Noroeste da Ibéria era geralmente conhecido como Galiza. Algures por volta do ano 848, entre as muitas conquistas e reconquistas que caracterizam a fluida estabilidade desta região, Porto Cale expande-se de simples porto para a região de Portucale, uma faixa costeira entre os rios Douro e Minho. O território de Portucale leva então uns duzentos anos a libertar-se do jugo da Galiza; primeiro, passa a governo único no ano de 950, depois é governado como feudo até 1050, mas vinte anos decorridos é reincorporado no reino da Galiza. Por volta de 1083, só para acrescentar mais ingredientes a esta complexa caldeirada, dois primos da Casa de Borgonha chegam de Dijon a cavalo.
Os dois cavaleiros nobres, Henrique e o seu distante, mas muito mais ambicioso, primo Raimundo, filho de Guilherme, o Grande, conde da Borgonha, partiram para o Norte da Ibéria a pedido de Afonso VI, rei de Castela e Leão, Galiza e Portucale. Cognominado o Bravo, Afonso VI atribuíra a si mesmo a ingrata tarefa de integrar todos os diferentes reinos espanhóis, metade dos quais sob domínio muçulmano, tal como partes das suas províncias. Mas, embora isto exigisse combater os sarracenos, mouros e outros árabes, Afonso VI parece ter sido um governante algo iluminado, pois não fez julgamentos generalizados sobre os inimigos. Continuou a oferecer protecção aos muçulmanos no seu território, cunhou moedas em árabe e admitiu na sua cama a princesa refugiada muçulmana Zaida de Sevilha». In Freddy Silva, Portugal, a Primeira Nação Templária, 2017, Alma dos Livros, 2018, ISBN 978-989-890-700-4.

Cortesia de AlmadosLivros/JDACT