quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Dona Leonor. A Triste Rainha. João Silva Sousa. «… e prazer da Reynha […] nom foy ygualmemente recebydo nos coraçooens de todos, mormente do 8.º Conde de Baercelos a quem parecia, que conclusam…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Conhecem-se várias cartas de nomeação que, já rainha, teria outorgado para o provimento de cargos nas terras da sua Casa. Aquando dos pareceres sobre a vantagem de prosseguir a expansão no Norte de África, a soberana tomou uma atitude desfavorável, opondo-se à participação directa do marido nas campanhas em Tânger, até porque, entre todas as razões que possamos supor, ele era um homem instável e, à altura, doente. Não fora o Infante Henrique que fez seu sobrinho e afilhado, o Infante Fernando, o filho varão mais novo do casal, seu herdeiro universal, a rainha dificilmente mudaria de opinião. O facto é que passou a tomar uma atitude favorável e, ao colocar-se ao lado do Navegador, intercedeu junto do rei para que a dita expedição tomasse lugar, mas sem a sua intervenção directa. O Cronista, em duas palavras, faz-nos novas revelações:

vendo-se estrangeira e sentindo quanto el-rei era afeiçoado aos infantes seus irmãos e em especial ao infante Pedro, entre o qual e ela já havia dúvidas de suas boas vontades, estimou, por muito seu interesse e segurança haver para si o coração do Infante Henrique a que, para isso, respondia igualmente com obras e virtuosos sinais de amor.

A soberana achou o requerimento do infante Henrique justo, honesto e sancto e contribuiu, sem, dúvida, para que o marido requeresse do papa a bula de cruzada. Não oferece, aliás, dúvidas o afecto que unia o monarca à esposa, a quem dedicou o Leal Conselheiro, num prefácio em que justifica a feitura do seu texto pelo requerimento da muito excelente Reinha Dona Leonor, sua molher:

vós me requerestes que juntamente vos mandasse screver alguas cousas que havia scriptas per boo regimento de nossas conciencias e voontades.

Pelo testamento do rei, que somente se conhece pela versão de Rui Pina, a regência do Reino fora confiada a dona Leonor, começando esta a usar do governo sem alguma publica contradição e assinando sempre os actos régios com a expressão a triste Raynha. Só Rui Pina alude ao testamento na Crónica que temos vindo a examinar. Esse período vai durar até 1439.
Até então, muita água vai correr por debaixo da ponte. Fala-se do casamento da filha do Infante Pedro, o tio legítimo mais velho, com o herdeiro da Coroa, Afonso, cujo consentimento e prazer da Reynha […] nom foy ygualmemente recebydo nos coraçooens de todos, mormente do 8.º Conde de Baercelos a quem parecia, que conclusam e outorga deste casamento pesava muito (o conde procurava, então, em segredo, por meio do arcebispo Pedro de Lisboa, a quem a raynha pedia conselho, dizendo que não tinha muita fé, e nom tynha booa vontade ao Yfante Dom Pedro, como do que acerca deste casamento lhe tynha permetydo, levando a desdizer-se e a prometer casar o herdeiro do trono com a neta do conde de Barcelos, filha mais velha do Infante João).
Logo após a deposição do corpo do rei Duarte na Batalha, antes do início das Cortes de Torres Novas (1438), Vasco Fernandes Coutinho, marechal, que veio a ser 1.º conde de Marialva, ligou-se por juramento a muitos dos grandes do Reino e todos apoiaram o testamento do rei em favor da rainha, que nom saysse do poder da Raynha; o que elles devyam requerer, e procurar que se compryse […] que nam vyesse em maneira alguma ao Yfante Dom Pedro, de cujos rigores, e mostranças suas falsas, que fazia ao Povo, de justo e saã consciência nom podiam receber, se nom o contrayro. Apostavam estes e outros da fina-flor  da nobreza que a força do infante Pedro seria aquela que lhe adviria o Povo, e gente meuda que sem cabeceiras nem teryam forças, nem daryam ajuda. Os que juraram tiveram de dar um passo atrás, pois todos os mais se desdisseram e acostaram à banda do Infante Pedro e dos outros Infantes, Duques e Condes que ficaram com ele (a rainha, porque crendo, que nestes pêra seus feytos averia a firmeza, que juráram, e lhe prometeram, nom se contentou no princípio destes movimentos d’alguns meos boõs, e onestos, que lhe foram apontados; do que a ella pollos nom aceitar se seguio muyto mal, e ao Reyno, e a muytos delle pouco bem, como se dirá)». In João Silva Sousa, Dona Leonor, A Triste Rainha, FCSHUN de Lisboa,Wikipédia.

Cortesia de Wikipedia/FCSHUNLisboa/JDACT