quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Onomástica Galega em duas cidades do sul de Portugal. Santarém e Évora. Maria Ângela Beirante. «Sabe-se que a migração tem sido, ao longo dos tempos, uma constante da história da Galiza»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Seis séculos mais tarde, os frades do mosteiro de Samos dispersam-se por lugares bem afastados da Galiza. É o caso de frei João Samos, Galego, que, em Santa Maria das Virtudes, não longe de Santarém, esconjurava os demónios, como se vê no Livro dos Milagres de Nossa Senhora das Virtudes compilado por Frei João da Póvoa em 1497. Mas se a Galiza foi inicialmente porto de abrigo para os que fugiam aos exércitos islamitas, em breve se converteu em foco de dispersão de povoadores. No repovoamento do Norte de Portugal (séculos X-XI) observa-se um movimento inverso ao dos primeiros tempos. Os galegos instalam-se nas terras entre Minho e Mondego, onde concorrem com os moçárabes na ocupação dos espaços disponíveis. Estes fluxos e refluxos populacionais foram certamente responsáveis pelo caldeamento de uma individualidade lexical comum à Galiza, Minho e Douro Litoral.
Na Idade Média é essencialmente como centro despoletador de emigrações que a Galiza nos aparece. Uma ligeira sondagem à história do repovoamento peninsular leva-nos a concluir que as gentes galegas estão presentes nas mais variadas regiões da Península. Encontramos galegos no repovoamento da Estremadura castelhano-leonesa, que se opera nos séculos XI-XII em cidades como Salamanca, Ávila, Segóvia e Zamora e até no reino de Toledo e na região de Alcarria se fixam gentes da Galiza. No século XIII vêmo-las ainda no repovoamento da Andaluzia e em Sevilha do século XIV existia mesmo a Rua dos Galegos, junto da praça onde era vendido o pescado (Collantes de Terán diz-nos que muitos galegos que se encontram em Sevilha se dedicam ao comércio de pescado ou de madeira). Manuel González assinala esta presença como sintomática de uma Galiza siempre provida en hombres.
Lindley Cintia observa que o topónimo Galegos tem uma frequência notável na Estremadura leonesa e, ao analisar a linguagem dos foros de Castelo Rodrigo, considera que o falar fundamentalmente galego, mas com leonesismos, de Castelo Rodrigo e de Riba-Coa no século XIII, se deve aos repovoadores galegos que, atraídos pelo seu rei Afonso IX, aí se fixaram como verdadeiras colmeias de imigrantes. É por esta mesma época que os galegos aparecem nas cidades portuguesas de Santarém e Évora onde, em vagas sucessivas, se vão enraizando. Sabe-se que a migração tem sido, ao longo dos tempos, uma constante da história da Galiza. É legítimo inquirirmos, para a época que nos ocupa, as causas da migração para Portugal.
Uma das causas principais que tem sido apontada como explicação para o fenómeno migratório em geral, é a taxa de natalidade juntamente com a escassez de recursos económicos. Trata-se de uma explicação económico-demográfica que se ajusta bem à Galiza medieva, verdadeiro reservatório de homens e de energias. Os historiadores dizem-nos que a população galega experimentou ao longo dos séculos XII e XIII um processo de crescimento demográfico. Alguns afirmam mesmo que a Galiza foi, na segunda metade do século XII e primeira do XIII, um dos centros políticos e culturais mais vivos da Península, criador da poesia trovadoresca e de obras como Pórtico da Glória de Compostela ou Pórtico do Paraíso de Orense. Estes incontestáveis depoimentos alertam-nos desde já para a limitação de uma explicação quantitativa para o fenómeno galego na Idade Média». In Maria Ângela Beirante, Onomástica Galega em duas cidades do sul de Portugal, Santarém e Évora, Revista da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, nº 6, 1992-1993, III Congresso Internacional da Língua Galego-Portuguesa na Galiza, Vigo, 1990.

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