Uma
história da Itália do século XIX
«Carolina não ouvia música desde
que ficara cega, e o efeito era surpreendente. Sua pele se arrepiava com os
violinos. O coração parecia bater no compasso do violoncelo e os instrumentos
de sopro a deixavam sem fôlego. Esquecendo-se de si mesma, ela cerrou os olhos.
Na sua mente, a colina sumiu de baixo de seus pés e os músicos, as paredes da
capela e os dançarinos imaginários, todos se alçaram delicadamente para o céu
negro, como se suspensos sobre vidro nas alturas. Seria um sonho, ela se perguntou, ou alguma outra coisa?
No dia em que a condessa Carolina
Fantoni se casou, apenas uma única pessoa sabia que ela estava ficando cega, e
não era seu noivo. E não foi por falta de aviso. Estou ficando cega, ela
revelara subitamente à mãe, na oportuna penumbra da carruagem da família, os
olhos ainda brilhantes de lágrimas do cáustico sol de Inverno. Por esta época,
ela já perdera a visão periférica. Carolina pôde sentir a mãe segurar sua mão,
mas teve que se virar para ver o seu rosto. Ao fazê-lo, a mãe beijou-a, os próprios
olhos cheios de compaixão. Eu também já estive apaixonada, ela disse, desviando
o olhar. Pai, Carolina dissera. Seu pai pousou a lente de aumento sobre o mapa
desenrolado à sua frente. Um tristonho monstro marinho assomou por baixo da
lente. Embora estivessem no meio do dia, a cegueira velava as estantes que se
erguiam atrás de seu pai numa falsa obscuridade. Somente a ampla janela acima
da cabeça dele e a própria escrivaninha ainda podiam ser vistas com clareza. A
avó estava cega quando morreu, comentou Carolina. Seu pai balançou a cabeça. E
por muitos anos antes disso, ele disse. Mas eu não acreditava inteiramente
nisso. Era como se ela tivesse outro par de olhos escondido numa caixa. Ela
sabia de tudo. Ela alguma vez lhe
contou como isso aconteceu?, perguntou Carolina. Seu pai meneou a
cabeça. Eu era muito novo na época. Acho que talvez eu esteja ficando cega,
disse-lhe Carolina. Seu pai franziu a testa. Após considerar a informação por
um instante, abanou a mão diante do rosto. Quando os olhos dela seguiram seu
movimento, ele exibiu um amplo sorriso. Ah, mas ainda não ficou! Ela
contara a Pietro no jardim, quando a mãe os deixou a sós por alguns instantes
sob um céu cheio de estrelas, que Carolina podia extinguir ou trazer de volta à
existência com um simples movimento da cabeça. Pietro rira sem parar. O que me vai dizer em seguida?, ele
lhe perguntara, entre um beijo e outro. Imagino
que também pode voar, não? E
se transformar num gato? Há coisas que já não consigo ver, ela
insistiu. Nas bordas da visão. Agora vai me dizer que se esqueceu de como
beijar, Pietro disse, beijando-a outra vez.
Naqueles primeiros dias, Carolina
media as suas perdas pelo tamanho de seu lago. Seu pai represara um trecho do
pequeno rio que serpeava pela propriedade como um presente para sua mãe no quinto
aniversário de casamento. Porém, amador nessas coisas, ele conseguira apenas
dragar desajeitadamente o pântano ao redor. A massa de água resultante, de
trinta passos de comprimento e metade disso de largura, em nenhum ponto era
suficientemente funda para uma pessoa ficar de pé inteiramente submersa. A sua jovem
esposa, ainda saudosa do mar, andara lealmente pelo terreno encharcado com ele
no dia de seu quinto aniversário de casamento, mas jamais retornara ali
voluntariamente. Assim, quando Carolina fez sete anos, seu pai espalhou bancos
de pedra pelos gramados das margens, encheu a superfície do lago de barcos
iluminados com lanternas e transformou-o em um novo presente para a filha. Desta
vez, foi recebido com gratidão, com uma apreciação que se manifestava, no
começo, como tirania: Carolina já desenvolvera uma paixão pela solidão e, desde
o dia de seu aniversário de sete anos, exigiu permissão para visitar o lago, a
oitocentos metros da casa, através de pinheiros cobertos de trepadeiras,
inteiramente desacompanhada. Afinal, argumentou, o que mais poderia significar ser dono de alguma coisa?
Completamente vencido por esse
raciocínio, o pai concordou, apesar dos receios da mãe que, após longos anos de
descaso, haviam finalmente caído por terra e começado a emergir novamente como
insónia, esquecimento e temores realmente terríveis. Daí em diante, tornou-se
um hábito diário de Carolina caminhar até ao lago, às vezes prateado com a
chuva, às vezes negro, às vezes cinzento, às vezes gelo sólido, transparente ou
leitoso, dependendo da rapidez com que o congelamento se dava. Quando tinha dez
anos, a chegada do Inverno havia sido tanto rápida quanto brutal, de modo que o
lago conservou uma limpidez estranha que permitia a Carolina ver até o fundo em
determinados trechos, revelando os mistérios de sua propriedade aquífera: os
galhos afundados, as ervas verdes, os redutos dos peixes, em forma de tigelas
vazias, e o canal mais profundo do leito original do rio represado. Com uma vassoura
emprestada da criada da cozinha para afastar a neve, Carolina passava horas na
sua inspecção, o rosto vermelho e os lábios azuis quando chegava para o jantar
naquele Inverno». In Carey Wallace, A Condessa Cega e a Máquina de Escrever, tradução de Geni
Hirata, Editora Rocco, 2011, ISBN 978-853-252-713-4.
Cortesia de Rocco/JDACT