O Interesse pelo Norte de África
«(…) O interesse pelas praças norte-africanas evoluiu durante os
séculos XV e XVI; as motivações políticas e económicas persistiram como
determinantes em diversas fases desse longo domínio. As razões políticas
confundem-se com a própria formulação e dinâmica da expansão portuguesa, que
postulava a conquista dos reinos de Fez e de Marrocos, considerada legítima
porque se tratava de reconquista para
a fé cristã os territórios usurpados
pelos muçulmanos. A hierarquia religiosa abençoava este projecto, concedia-lhe
importantes rendas eclesiásticas, a tal ponto que o valor destas parece ter
determinado algumas atitudes do poder, e a referência à cruzada permitia apoios internacionais, em particular do papado,
que condicionavam fortemente as opções portuguesas.
As praças marroquinas constituíam um dos lados do triângulo estratégico
do Atlântico português, completado pela costa europeia e pelas ilhas. O monarca
Manuel I planeou mesmo centrar na Madeira as acções a desenvolver, não só nesse
espaço, mas ainda em regiões servidas pelas rotas marítimas que o atravessam. As
praças do estreito de Gibraltar asseguravam a defesa contra os piratas e a
segurança das rotas marítimas entre o Mediterrâneo e o Atlântico. Esta ordem de
factores, de índole essencialmente política, pressupunha numerosos compromissos
pessoais ou de grupo. A nobreza, por exemplo, mostrava-se cada vez mais
enredada na teia dos proveitos das empresas ultramarinas, em particular na
ascensão social, bem ilustrada na família Meneses, e nas benesses repartidas
entre os fronteiros de África, como os que foram concedidas aos capitães e
povoadores das Ilhas em paga de serviço
em Marrocos.
A força dos argumentos de carácter politico em favor da permanência em
África alcançou todo o seu sentido quando a crise ocasionada pela perda de
Agadir, em 1541. Foram abandonadas
todas as praças que os portugueses ali detinham, com excepção de Ceuta, Tânger
e Mazagão. As primeiras mantinham o controlo do Estreito e seriam a porta
destinada a um possível ataque ao reino de Fez. Guardavam também a magia do
símbolo, a evocação da empresa pioneira da gesta marroquina e do martírio do
infante Fernando. Por aquela zona (por Arzila, de novo e de forma efémera nas
mãos dos portugueses) passou o rei Sebastião a Alcácer Quibir para testemunhar
perante a História um dos sentidos básicos da colonização portuguesa dos
séculos XV e XVI. No sul de Marrocos, o rei João III decidiu manter Mazagão,
onde mandou erigir poderosas fortificações para apontar a Marraquexe, capital
dos xarifes, a ameaça de uma rápida invasão. O repto foi aceite e os mouros cercaram,
sem êxito, a praça em 1562. Ali mandou
Sebastião I, em 1578, uma armada
destinada a iludir Mulei Maluco quanto ao local de desembarque do
exército português apoiante de seu sobrinho, o sultão deposto, Mulei Mahamet.
Os interesses económicos ligados à presença portuguesa nas praças de
Marrocos são de índole muito diversa, como seria de esperar da ocupação, por um
período de mais de três séculos, de um espaço marítimo vasto, da existência de
terras muito ricas e de um povo habituado a um comércio de longa distância. Essas
motivações foram determinantes em vários períodos, como quando se tratou de
adquirir tecidos e outros produtos para os negros da zona da Mina, no princípio
do século XVI, o seu declínio, aliado a razões conjunturais de forte poder político,
permitiu ao marquês de Pombal, em 1769,
o
abandono da Mazagão, última praça que os portugueses mantiveram em
Marrocos». In António Dias Farinha, Os Portugueses em Marrocos,
Instituto Camões, Colecção Lazúli, IAG, Artes Gráficas, ISBN 972-566-206-7.
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