Filósofos Orientais
«(…) A inteligência
suprema vê tudo, passado presente futuro, não no tempo, mas imediatamente
porque o seu pensamento é eterno. Mas Deus não é a causa directa das acções,
elas têm por si mesmas os seus próprios fins e finalidades. Não é pois responsável
pelo mal que é o preço da liberdade e que é talvez o bem de tudo. O dom do ser
está ligado à luz da inteligência. E a
primeira certeza apreendida pelo espírito humano é a do ser, surpreendida
através das percepções sensíveis. A essência do homem, do cavalo, da pedra não
implica nenhuma necessidade que tal homem, tal cavalo exista. A existência
é dada aos seres realizados, concretos, por um Ser que difere deles todos: não
é uma destas essências desnudadas em si da existência, mas a sua essência é o
seu próprio ser. O Criador é a causa primeira. Do Uno não pode vir senão o Uno.
O Ser necessário produz uma só inteligência. Esta, sendo causada, possui necessariamente
uma dualidade de ser e de conhecer. Ela introduz no mundo a multiplicidade;
dela podem provir uma outra inteligência, uma Alma celeste, um corpo celeste. O sistema de Ptolomeu torna-se a
escadaria da emanação criadora. A emanação desce de esfera em esfera
até uma décima inteligência pura que rege não uma esfera mas o nosso mundo
terrestre, formado, contrariamente aos outros, de matéria corruptível. A
décima inteligência é o Intelecto Agente. Na Epístola sobre o Amor, o ser
e a inteligência transbordam do Ser necessário como um rio e descem até aos
extremos limites do criado. Uma ascensão da mesma amplitude, feita de amor e do
desejo das criaturas pelos seus criadores, até ao Princípio supremo, responde à
abundância deste dom. O Cânon de Medicina, em cinco volumes, tornou-se a
sua obra mais célebre. Entrou no programa de ensino das Universidades europeias
desde 1309 e o seu estudo
prolongar-se-ia no Oriente até aos nossos dias e no Ocidente até ao século XVII.
No primeiro volume do Cânon,
Avicena aborda o corpo humano, a doença, as terapêuticas gerais. No
segundo trata da farmacologia dos simples. No terceiro expõe a
patologia especial de cada órgão. No quarto, estuda as febres, os
sinais, os sintomas, os diagnósticos, a pequena cirurgia, as feridas, os
tumores, as fracturas, os venenos. No quinto, expõe a farmacopeia. Reuniu
os pontos mais importantes do Cânon num poema, traduzido no século XIII
para latim, sob o título de Cantica
Avicena. Al-Gazallí, Abu Hamid ibn Muhammad (Algazel, Tus, norte
do Irão-Tus, 1111).
Leccionou em Nizamiyya,
Bagdade, a mais importante universidade religiosa do Islão. Acometido por uma
crise mística, peregrinou pelos principais lugares da religiosidade islâmica: Jerusalém,
o túmulo de Abraão em Hebron, Meca, Medina. Regressou a Tus onde morreu rodeado
de discípulos sufis. Al-Gazallí emerge como a cabeça maior da reacção antifilosófica
dos teólogos, particularmente no livro Destruição
dos Filósofos (Tahafut al-falasifa). Como um bom arrependido,
assumiu como missão espiritual atacar os esotéricos, em particular o xiismo
ismaili, os cristãos e combater o racionalismo neo-aristotélico, em
particular Al-Farabí e Avicena. A filosofia só pode ser uma disciplina auxiliar
da teologia especulativa, estabelecida a partir da fé e da lei muçulmanas. Só
iluminada pela fé, a razão conduz à sabedoria. Todo o conhecimento está
condicionado pela iluminação divina e deste conhecimento depende a vontade
humana. Numa síntese da doutrina moral muçulmana considerava a teologia, a
cabeça; a filosofia, a função racional; o sufismo, o coração; o direito, o
braço operativo. A autoridade é uma consequência da própria estrutura da natureza
humana. O soberano deve rodear-se de um conselho de doutos. O ideal de
perfeição exige às vezes que sacrifiquemos o dever da rebelião contra o tirano
e noutras ocasiões obriga ao sacrifício dos desejos e direitos individuais.
Filósofos andaluzes
A filosofia oriental
islâmica desenvolve-se, como dissemos, do século IX até aos meados do século
XI. Por sua vez, no Islão ocidental, a filosofia arranca nos princípios do século
X com Ibn Masarra e floresce entre a segunda metade do século XI e os finais do
século XII. O primeiro historiador da filosofia no Andaluz foi Said al-Andalusi
(1029-1070)
que nasceu em Almeria e exerceu o cargo de juiz em Toledo. O seu livro Tabaqat
al-umam (Livro das Categorias dos
Povos) constitui, segundo Asin Palacios, o primeiro ensaio originalíssimo de síntese sobre a evolução da cultura
humana nas diferentes raças e povos da terra. Este livro mostra que a
filosofia é uma árvore de lento crescimento
e ainda que individual na sua expressão, reflecte sempre um movimento colectivo
de fundo. Esse movimento colectivo arranca dois séculos após a conquista
islâmica com uma inacreditável
constelação de sábios: o matemático Maslama de Madrid e o astrónomo Azarquiel,
os médicos Yahya ibn Ishaq, autor do primeiro receituário médico andaluz, o
farmacólogo toledano Ibn Wafid, o judeu cordovês Ibn Hasday ibn Saprut e ainda
os médicos Abulcasis e Avenzoar, os poetas Ibn Suhayd, Ibn Saydun e al-Mutamid,
os historiadores Ahmad al-Razi e Ibn Hayyan, os filólogos Al-Zubaydi e o
murciano Ibn Sida, filósofos como Ibn Masarra, o judeu malaguenho Ibn Gabirol e
al-Kirmani». In António Borges Coelho, Tópicos
para a História da Civilização e das Ideias no Gharb al-Ândalus,
Instituto Camões, Colecção Lazúli, 1999, IAG-Artes Gráficas, ISBN
972-566-205-9.
Cortesia de I.Camões/JDACT