«Alex,
uma nova-iorquina, vive uma vida perfeita: acabou o curso e tem um emprego
garantido. Está prestes a cumprir os sonhos que desenharam para ela. Mas um
desgosto de amor leva-a a viajar pelo mundo. Precisa de se conhecer melhor e
ultrapassar os seus medos. Da Tailândia ao Brasil, da Austrália a Marrocos, faz
Couchsurfing dormindo em colchões, beliches, camas limpas, camas sujas, parques
públicos, até em minha casa, em Lisboa. Nudismo, algum sexo, ilhas paradisíacas,
jantares românticos, protestos de rua, festivais no deserto, um encontro com
Nelson Mandela, mulheres que disparam bolas de ping pong das suas zonas íntimas,
tudo isto faz parte desta história real passada nos sete continentes, ao longo
de um ano, que representa tudo aquilo que gostaríamos de fazer. Há pessoas que
cometem erros por se acomodarem e outras que cometem erros por tentarem. A Alex
preferiu errar tentando. E vocês?»
Estados
Unidos
Tenho a certeza de
que neste preciso momento, satanistas estão a sacrificar bebés, pensei eu, ao
ouvir-nos cantar. As vozes que saíam das nossas bocas eram tão desafinadas que,
se estivéssemos ao pé de um zoo, os animais teriam arranjado forma de sair das jaulas
e fugido para África. À nossa frente, na televisão, iam passando umas letras e
nós tínhamos de cantá-las. Senhoras e senhores. Bem-vindos ao derradeiro
combate do século. De um lado, a Team Bieber, do outro lado, a Team
Multiple Scorgasms. Vão degladiar-se no SingStar para a PlayStation. O primeiro grupo a vencer
10 músicas ganha. O grupo que perder, vai ter de ir até Reno tirar uma
fotografia à frente do hotel Harrahs. Honestamente, não me lembro quem teve a
ideia deste concurso E se fizéssemos
um concurso de SingStar?. Existem rumores de que se transformaram em
mitos urbanos e de que fui eu que lancei a ideia. Até hoje, não me lembro. No
entanto, e mesmo que seja verdade, eu apenas sugeri um concurso de SingStar. A
aposta teve outro autor. Alguém achou que seria divertido o grupo que perdesse,
meter-se numa carrinha e fazer mais de 200 quilómetros apenas para tirar uma
fotografia à frente de um hotel-casino. E perguntam vocês: porque é que aceitaste? Podia dizer que tinha batido por
acidente com a cabeça num eléctrico e ficado com um traumatismo craniano, logo,
inimputável. Mas não. Eu aceitei porque estava bêbeda. O que não era nada
normal em mim. Estávamos em finais de Agosto e tínhamos acabado a faculdade em
São Francisco, há poucas semanas. Daí a dias, íamos começar a trabalhar, muitos
de nós em cidades diferentes e, por isso, esta era a última oportunidade para
os colegas da faculdade se reunirem.
Entre posts no Facebook e tweets,
organizou-se uma festa de despedida em poucas horas. Ia ser na casa do Brian,
um dos meus grandes amigos. Uma festa pequena, apenas entre nós, os amigos da
faculdade mais chegados. A casa, em Richmond District, era pequena, mas tinha
um enorme terraço com vista sobre a Golden Gate Bridge. Ia ser uma sunset party, mas eu e a Jen, a minha
BFF de Nova Iorque, fomos das últimas a lá chegar. Noite. Já não havia sol. Não
tivemos culpa. As roupas não nos iam ficando bem. Experimentámos várias. Esta
rua está animada. Quantas festas haverá
esta noite nesta zona?, perguntou-me a Jen, ao olhar para a rua à volta
da casa do Brian, onde se encontravam tantos bêbedos que, se expirassem todos
ao mesmo tempo, poderiam lançar uma nuvem tóxica de álcool por cima de São
Francisco. Só que não havia mais nenhuma festa naquela noite, naquele bairro. A
casa do Brian estava completamente cheia. Mas
não era suposto serem apenas colegas da faculdade?, perguntou-me a Jen,
enquanto subíamos as íngremes escadas de madeira de saltos altos. Era.
Mas alguma vez viste uma festa onde um amigo não traz um amigo que traz um
amigo, e em que, subitamente, há mais
estranhos do que conhecidos? Íamos para uma festa onde o share do Facebook e o retweet do Twitter tinham reinado. Pffff… Primavera
Árabe. Era para isto que serviam as redes sociais. Mal lá chegámos, o Brian
deu-nos uma bebida para as mãos e, a partir daí, toda aquela noite passou a ser
um borrão. Não era habitual eu e a Jen bebermos, e não sei porque o fizemos.
Talvez um dia escrevam um conto para crianças sobre nós onde revelem a razão. Era
uma vez duas raparigas que não bebiam, mas que por ser a sua última noite antes
de ficarem presas a um trabalho chato, queriam divertir-se para se esquecerem
do que seriam os seus anos seguintes presas a um escritório Lofijeewf… jfefweofewopf… wenfwenho…
iewnhfoiwjef… ehfoiehomdh… fownfwbfnwefo… mcncfeqwoifnwef. Esta é a única
forma que consigo descrever os acontecimentos daquela noite, até ter dado por
mim no meio de um concurso de SingStar, supostamente sugerido por mim própria. E
assim foi: começámos a batalha épica no SingStar. Se me perguntarem que músicas
cantámos, esta vai ser a minha resposta... Não sei. O que vos posso relatar é a
evolução dos resultados. […]
Houve berros, garrafas partidas, apitos, sirenes. Como é que a
polícia não foi chamada pelos vizinhos é algo que ainda hoje não consigo
explicar. Ou não estavam em casa ou então eram clinicamente surdos. E lá
arrancamos nós. As nossas vozes estavam cada vez mais desafinadas, mas ninguém
parecia preocupar-se com isso. Era como se estivéssemos no American Idol. Todos nós sentimos que daí a segundos os juízes
diriam: A nova Adele. Absolutamente magnífico. Começámos logo com uma
enorme vantagem sobre a Team Bieber. Eles já não conseguiam ler as letras no
ecrã e o nosso score afastava-se cada
vez mais do deles. A vitória seria nossa. Iriámos comemorar, vendo-os a
partirem para Reno. Mesmo que falhássemos todas as notas, sabíamos que a vitória
já não nos fugiria. Ainda não inventado. Éramos mesmo bons. E assim foi. Game Over. Ganhámos. Pessoas a pular.
Berros. Uivos. Sirenes. Todos os participantes do combate do século estavam
contentes. Mas…, e olhei para a Jen que estava ao meu lado e tinha sido uma das
grandes responsáveis, tal como eu, pela nossa vitória…, se todas as pessoas
estavam contentes, isso significava que as duas equipas tinham ganho, certo? Ela não achava estranho
encontrarmo-nos todos a comemorar. Provavelmente já teria bebido mais do que
eu. Até que vi a claque da outra equipa a apontar para nós, a rir-se. Muito.
Com intensidade. Com tanta intensidade que poderiam ter produzido electricidade
para uma pequena cidade do interior. Olhei para o ecrã, vi as pontuações, uma
equipa tinha claramente vencido. E aí percebi. Nas últimas músicas tínhamos
estado a jogar, a achar que a parte de cima do ecrã era nossa. Mas não. A nossa
era a parte de baixo. Jen. Perdemos. O
quê? Perdemos. Vamos ter de ir até Reno. Há coisas estranhas que
acontecem neste tipo de festas, que desafiam qualquer explicação lógica. Nesta,
e se tivessem sido publicadas num jornal, teriam sido explicadas desta maneira:
yes, they did». In Francisco
Salgueiro, Estou Nua e Agora?, Editora Oficina do Livro, 2014, ISBN 978-989-741-159-5.
Cortesia
EOLivro/JDACT