«O tipo mais
exótico de caça ao lobo utiliza águias. Foi visto apenas ocasionalmente na
Europa; a sua verdadeira origem é o Quirguistão, no Centro-Sul da Rússia. As
aves criadas especialmente para esse tipo de caça, uma subespécie de águias
douradas chamadas berkut são utilizadas por tribos nómadas. As águias pesam
apenas quatro ou cinco quilos, mas podem lançar-se sobre as costas de um lobo e
prender-lhe o focinho com tal força que o lobo fica quase paralisado. Muitas
vezes, a ave agarra a espinha com uma pata e, quando o lobo volta a cabeça para
morder, agarra-lhe o focinho com a outra pata, sufocando o animal ou
dominando-o até o caçador o matar. Estas aves são surpreendentemente fortes; têm
quase uma tonelada de força preénsil
em cada pata e o golpe de uma asa de noventa centímetros pode partir o braço de
um homem... As tribos do Quirguistão ainda caçam lobos na Rússia com águias, a
cavalo, e com a ajuda de cães.
28 de Abril de
1945, 6h30 da tarde
O coronel
Giinter Brumm esforçava-se para se encaixar no estreito cockpit do minúsculo planador. Era um homem alto, com um corpo
largo e uma estrutura grande e musculosa, exactamente o tipo de físico que o
tornara candidato a oficial de primeira categoria alguns anos antes. O seu fino
cabelo loiro, em tempos farto e luxuriante, estava =agora sujo e as entradas
começavam a avançar, um desenvolvimento =inaceitável aos trinta e cinco anos.
As suas mãos eram enormes, os dedos, longos e grossos tubos que um dos seus
camaradas uma vez apelidou de paus de vassoura. A maior parte da sua estatura
estava no torso, não nas pernas e, assim, embora o cockpit oferecesse amplo espaço de pernas, o resto do seu corpo iria
ficar literalmente entalado, deixando-lhe pouco espaço para manobra. Finalmente
instalado no assento duro, Brumm tacteou cuidadosamente com os pés para
encontrar os pequenos pedais de leme do aparelho. Quando os encontrou, pensou
se seria capaz de os sentir em voo através das suas pesadas botas. Só tinha
pilotado um planador algumas vezes antes, e nunca um tão pequeno. Ia ser um
desafio, e a ideia estimulou-o. Satisfeito por se encontrar completamente
encaixado no assento, enfiou o saco de viagem e a mochila no chão à sua frente.
Certificou-se que a tira de suspensão de carga que pendia do arnês do seu para-quedas
se encontrava presa à bagagem. A sua pistola-metralhadora, um modelo especial
derivado da arma regulamentar utilizada pelas tropas alemãs, estava num coldre especial
em camurça atado ao seu peito, que também continha seis carregadores extra.
Ao experimentar
o manche, Brumm descobriu que a sua bagagem bloqueava a alavanca de tal modo
que esta não podia ser puxada totalmente para trás. Tal como um animal a
trabalhar diligentemente na ordem. Há muito que o coronel havia aprendido que
os detalhes contam no que respeita à sobrevivência; tinha-se tornado um perito em
planeamento, verificando e voltando a verificar cada elemento que dissesse
respeito à missão que tinha pela frente. Finalmente sossegado, suspirou e
recostou-se no assento, contra o invólucro do para-quedas. Se isto não funcionar,
sou um homem morto, disse para si próprio. Para um soldado profissional, factos
são factos. Ele não temia a morte; pensar nela não o enchia de terror. Era simplesmente
a sua forma de se assegurar que o seu subconsciente analisava plenamente a
situação e que, quando precisasse dela, a clareza de espírito estivesse lá. Como
membro de um grupo de comandos especial, Brumm era um dos poucos sobreviventes
de uma unidade de elite que recebia ordens directamente de Adolfo Hitler (maldito). Entre as suas credenciais,
contava-se uma carta do ditador maldito que o empossava de um poder absoluto
sobre todo e qualquer alemão, civil ou militar. Era uma autorização que lhe
permitia obter o que precisava quando precisava, sem as burocracias habituais. Durante
o tempo de serviço na unidade de elite especial, o coronel foi chamado a
desempenhar um sem-número de missões perigosas. Mas apesar da sua constituição
física o tornar um espécime impressionante, foi o seu perfil psicológico o que
mais impressionou o ditador maldito, de quem dependia a aprovação final de
todos os candidatos ao quadro especial.
O corpo de Brumm
evidenciava numerosas cicatrizes, que atestavam não só os rigores da sua
profissão como também a sua resistência. Ao longo dos anos, em França, na
Checoslováquia, na Rússia, e em inúmeros outros campos de batalha, ele havia
sido ferido tantas vezes que perdera a conta. Filho de um oficial prussiano e
neto de um farmacêutico, crescera com a morte e os cadáveres. Nenhuma forma de
morte o incomodava; ou se respirava ou não. Era esta relação calma com a morte
que fazia dele um soldado eficiente. Brumm olhou para o relógio. Se o avião de
reboque viesse a horas, a recolha deveria ocorrer dentro de sete minutos. Esperava
que o que restava da curta área de decolagem não se deteriorasse mais entretanto.
Os russos estavam por todo o lado. Tinham feito os exércitos alemães recuar das
margens do rio Óder em Fevereiro, para depois pararem e descansarem enquanto se
reabasteciam, durante quase dois meses, antes do seu impulso final em direcção
a Berlim. A 16 de Abril atacaram em força, e três dias depois haviam empurrado
partes da li deixando a unidade de Brumm atrás das linhas inimigas e com a retirada
cortada. Agora os russos estavam a recuar para limpar bolsas isoladas de
resistência. Apesar de os mapas de batalha e de as informações seguras acerca
dos movimentos do inimigo serem escassos, era óbvio para qualquer pessoa com
experiência o que os russos pretendiam fazer: Berlim iria ser arrasada». In Joseph Heywood, Berkut, A Águia
da Sibéria, tradução de Carlos Silva,
Ulisseia, 2004,
ISBN 978-972-568-515-0.
Cortesia de
Ulisseia/JDACT