terça-feira, 10 de março de 2015

Berkut. A Águia da Sibéria. Joseph Heywood. «Só tinha pilotado um planador algumas vezes, e nunca um tão pequeno. Ia ser um desafio. Satisfeito por se encontrar completamente encaixado no assento, enfiou o saco de viagem e a mochila no chão…»

Cortesia de wikipedia

«O tipo mais exótico de caça ao lobo utiliza águias. Foi visto apenas ocasionalmente na Europa; a sua verdadeira origem é o Quirguistão, no Centro-Sul da Rússia. As aves criadas especialmente para esse tipo de caça, uma subespécie de águias douradas chamadas berkut são utilizadas por tribos nómadas. As águias pesam apenas quatro ou cinco quilos, mas podem lançar-se sobre as costas de um lobo e prender-lhe o focinho com tal força que o lobo fica quase paralisado. Muitas vezes, a ave agarra a espinha com uma pata e, quando o lobo volta a cabeça para morder, agarra-lhe o focinho com a outra pata, sufocando o animal ou dominando-o até o caçador o matar. Estas aves são surpreendentemente fortes; têm quase uma tonelada de força preénsil em cada pata e o golpe de uma asa de noventa centímetros pode partir o braço de um homem... As tribos do Quirguistão ainda caçam lobos na Rússia com águias, a cavalo, e com a ajuda de cães.

28 de Abril de 1945, 6h30 da tarde
O coronel Giinter Brumm esforçava-se para se encaixar no estreito cockpit do minúsculo planador. Era um homem alto, com um corpo largo e uma estrutura grande e musculosa, exactamente o tipo de físico que o tornara candidato a oficial de primeira categoria alguns anos antes. O seu fino cabelo loiro, em tempos farto e luxuriante, estava =agora sujo e as entradas começavam a avançar, um desenvolvimento =inaceitável aos trinta e cinco anos. As suas mãos eram enormes, os dedos, longos e grossos tubos que um dos seus camaradas uma vez apelidou de paus de vassoura. A maior parte da sua estatura estava no torso, não nas pernas e, assim, embora o cockpit oferecesse amplo espaço de pernas, o resto do seu corpo iria ficar literalmente entalado, deixando-lhe pouco espaço para manobra. Finalmente instalado no assento duro, Brumm tacteou cuidadosamente com os pés para encontrar os pequenos pedais de leme do aparelho. Quando os encontrou, pensou se seria capaz de os sentir em voo através das suas pesadas botas. Só tinha pilotado um planador algumas vezes antes, e nunca um tão pequeno. Ia ser um desafio, e a ideia estimulou-o. Satisfeito por se encontrar completamente encaixado no assento, enfiou o saco de viagem e a mochila no chão à sua frente. Certificou-se que a tira de suspensão de carga que pendia do arnês do seu para-quedas se encontrava presa à bagagem. A sua pistola-metralhadora, um modelo especial derivado da arma regulamentar utilizada pelas tropas alemãs, estava num coldre especial em camurça atado ao seu peito, que também continha seis carregadores extra.
Ao experimentar o manche, Brumm descobriu que a sua bagagem bloqueava a alavanca de tal modo que esta não podia ser puxada totalmente para trás. Tal como um animal a trabalhar diligentemente na ordem. Há muito que o coronel havia aprendido que os detalhes contam no que respeita à sobrevivência; tinha-se tornado um perito em planeamento, verificando e voltando a verificar cada elemento que dissesse respeito à missão que tinha pela frente. Finalmente sossegado, suspirou e recostou-se no assento, contra o invólucro do para-quedas. Se isto não funcionar, sou um homem morto, disse para si próprio. Para um soldado profissional, factos são factos. Ele não temia a morte; pensar nela não o enchia de terror. Era simplesmente a sua forma de se assegurar que o seu subconsciente analisava plenamente a situação e que, quando precisasse dela, a clareza de espírito estivesse lá. Como membro de um grupo de comandos especial, Brumm era um dos poucos sobreviventes de uma unidade de elite que recebia ordens directamente de Adolfo Hitler (maldito). Entre as suas credenciais, contava-se uma carta do ditador maldito que o empossava de um poder absoluto sobre todo e qualquer alemão, civil ou militar. Era uma autorização que lhe permitia obter o que precisava quando precisava, sem as burocracias habituais. Durante o tempo de serviço na unidade de elite especial, o coronel foi chamado a desempenhar um sem-número de missões perigosas. Mas apesar da sua constituição física o tornar um espécime impressionante, foi o seu perfil psicológico o que mais impressionou o ditador maldito, de quem dependia a aprovação final de todos os candidatos ao quadro especial.
O corpo de Brumm evidenciava numerosas cicatrizes, que atestavam não só os rigores da sua profissão como também a sua resistência. Ao longo dos anos, em França, na Checoslováquia, na Rússia, e em inúmeros outros campos de batalha, ele havia sido ferido tantas vezes que perdera a conta. Filho de um oficial prussiano e neto de um farmacêutico, crescera com a morte e os cadáveres. Nenhuma forma de morte o incomodava; ou se respirava ou não. Era esta relação calma com a morte que fazia dele um soldado eficiente. Brumm olhou para o relógio. Se o avião de reboque viesse a horas, a recolha deveria ocorrer dentro de sete minutos. Esperava que o que restava da curta área de decolagem não se deteriorasse mais entretanto. Os russos estavam por todo o lado. Tinham feito os exércitos alemães recuar das margens do rio Óder em Fevereiro, para depois pararem e descansarem enquanto se reabasteciam, durante quase dois meses, antes do seu impulso final em direcção a Berlim. A 16 de Abril atacaram em força, e três dias depois haviam empurrado partes da li deixando a unidade de Brumm atrás das linhas inimigas e com a retirada cortada. Agora os russos estavam a recuar para limpar bolsas isoladas de resistência. Apesar de os mapas de batalha e de as informações seguras acerca dos movimentos do inimigo serem escassos, era óbvio para qualquer pessoa com experiência o que os russos pretendiam fazer: Berlim iria ser arrasada». In Joseph Heywood, Berkut, A Águia da Sibéria, tradução de Carlos Silva,
Ulisseia, 2004, ISBN 978-972-568-515-0.

Cortesia de Ulisseia/JDACT