Sobre a data em que
São Teotónio morreu. O lapsus calami do
dia da semana
«(…)
Podemos fazer o exercício de verificar em que ano próximo de 1162 é que se encontra uma sexta-feira
a 18 de Fevereiro. Por consulta das tabelas do Cappeli verificamos que o
ano mais próximo do de 1162 em que isso
acontece, é o ano de 1166. Foi, talvez
por esta razão que Joaquim Encarnação, cónego regrante de Santa Cruz na segunda
metade do século XVIII, tal como o já fizera o autor dos Acta Sanctorum, considerou ser este o ano em que morreu o
nosso primeiro santo. Isto apesar de ainda ter visto o letreiro porém, que se pôz na sepultura do sancto, no Capitulo, se
diz ser sua morte na era de 1200, que vem a ser anno de 1162, e é o que seguem
os nossos Historiadores ordinariamente. A posição de J. Encarnação é
muito interessante para esta pesquisa. Confesso que também eu comecei por
admitir que São Teotónio tinha morrido em 1166,
baseado no feria VI e que, portanto, poderia haver erro na
inscrição ou leitura da Era indicada no sepulcro. A inscrição referida é a
seguinte:
[in :] XII : K(a)L(endas) : M(a)RCII : OBIIT : DOmNUS : THEOTONIUS : P(r)IMUS : P(r)IOR : ET : PATER : MONASTEERII : SanCtE : + [crucis] : E(ra) : M : C [C]
[in :] XII : K(a)L(endas) : M(a)RCII : OBIIT : DOmNUS : THEOTONIUS : P(r)IMUS : P(r)IOR : ET : PATER : MONASTEERII : SanCtE : + [crucis] : E(ra) : M : C [C]
Actualmente faltam os extremos da inscrição, que parecem ter
sido cortados, em data que desconhecemos, quando a tampa do sarcófago já se
encontrava no altar da capela de São Teotónio, só se lendo, no final da
inscrição, MC. Mário Barroca considerou a data de MC [C]. Visitei a Igreja
de Santa Cruz de Coimbra para analisar a inscrição ao longo da secção lateral
da tampa do sarcófago, hoje a servir de mesa de altar na capela que se ergue
na parede sul da Sala do Capítulo, e parece-me que, de facto, não há espaço
para conter MC[CIIII], mesmo de forma condensada como aparece algumas vezes
em epígrafes da época. Segundo M. Barroca, as semelhanças desta inscrição com a
do sarcófago do bispo de Coimbra, Miguel Salomão, que faleceu em 1180, levam a admitir que as duas
tampas tenham sido executadas em momentos não muito afastadas entre si, pouco
depois da morte do bispo de Coimbra. Perante estes factos, os especialistas são
unânimes em considerar que o erro na data da morte de São Teotónio não se
encontra na indicação do ano, mas sim no dia da semana. O que poderia então
levar à indicação do feria VI? Os erros nem sempre poderão ser
explicados de forma satisfatória. Admitimos contudo uma possibilidade. A Era
de 1200 assinalada na epígrafe da tampa do sepulcro de São Teotónio
corresponderia, pois, ao ano da encarnação de 1162, segundo o cômputo de Pisa, hipoteticamente utilizado na Vita
Theotonii, como se viu do estudo dos elementos rasurados da data de
fundação do Mosteiro de Santa Cruz. Para a determinação do dia da semana, o ano
da encarnação necessita sempre de duas letras dominicais. Começando a 25 de
Março de 1161, os dias da semana
desse ano até 31 de Dezembro, seriam determinados no calendário perpétuo pela
letra dominical do ano do nascimento de 1161;
um A.
Para os dias da semana, entre 1 de Janeiro a 24 de Março, deveria usar-se a
letra dominical do ano de 1162; um G,
o que permitiria determinar correctamente que o 18 de Fevereiro tinha
sido um domingo. É possível que a confusão entre o procedimento que normalmente
se utilizava nos anos bissextos (que também necessita de duas letras
dominicais) e o que se deve utilizar no ano da encarnação tenha induzido o uso
indevido da letra dominical do ano de 1160;
um B.
Daí resultaria a atribuição incorrecta de uma sexta-feira ao dia 18 de
Fevereiro.
Sobre o mês em que
decorreram as cerimónias fúnebres
Merece a pena analisar a descrição da cerimónia fúnebre tal
como foi descrita pelo discípulo anónimo, na busca de novos indícios sobre o
problema da data da morte. O autor anónimo informa que Teotónio foi
colocado na cinza e no cilício, segundo a tradição cristã e, perfeitamente na
posse das suas faculdades, encarou a morte com alegria. Armando Martins
fornece-nos uma descrição mais detalhada destes rituais de cinza e cilício, em
que o moribundo era colocado no chão, pondo-lhe a cabeça sobre uma pedra dura,
coberta de cinza, onde era deixado até expirar. Como a morte de São Teotónio
ocorreu na própria canónica, in
congregatione, seriam celebradas trinta missas, nos trinta dias
imediatos e, do primeiro ao sétimo dia, depois da morte, diariamente, por ele
seria oferecido pela comunidade todo o ofício dos defuntos, missas, e matinas
de nove lições. No trigésimo dia, depois do ofício, por ele se diriam cinco
salmos e se faria procissão ao túmulo. No decorrer desses trinta dias,
quotidianamente, na canónica seria dada aos pobres a ração completa, prebenda, a que o defunto teria
direito, como se ainda estivesse presente. Estas cerimónias arrastar-se-iam
assim até 18 de Março seguinte. São deste mês dois importantes documentos que
beneficiam o Mosteiro de Santa Cruz. São eles a Karta Liberatis do bispo de Coimbra Miguel Salomão e a
doação de Afonso Henriques da mata de Aljazede (mata do
Louriçal, no concelho de Pombal). As doações e privilégios não poderiam
deixar de estar associadas ao facto, embora não o nomeiem expressamente. Aos
dois documentos acima referidos, poderíamos ainda juntar a carta de Afonso
Henriques ao papa Alexandre II, em que declara ter fundado o Mosteiro de
Santa Cruz de Coimbra para dele fazer mercê ao pontífice, e em que pede nova
confirmação de todos os diplomas régios e episcopais a favor do mosteiro. O
mesmo se diga da suplicatio do bispo Miguel ao papa Alexandre
III para confirmar a carta de liberdade concedida ao Mosteiro de Santa Cruz
por ele em Março de 1162». In
Abel Estefânio, A Data de Nascimento de Afonso I, Medievalista, nº 8, 2010, Instituto de Estudos Medievais, direcção
de José Mattoso, ISSN 1646-740X.
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