Vida
e Obra
«As obras
de Voltaire, assim como as de Montesquieu e Rousseau, desempenharam um papel de
primeiro plano na transformação social, política e intelectual do mundo europeu
no século XVIII. Não menos importante foi a obra colectiva da qual esses
filósofos participaram juntamente com D'Alembert (1717-1783), Quesnay
(1694-1774), Turgot (1727-1781), Marmontel (1723-1799), Holbach (1723-1789) e
outros: a Enciclopédia ou Dicionário Razoado das Ciências,
Artes e Ofícios. O seu
principal redator foi Denis Diderot, talvez a personagem
mais revolucionária entre todos os franceses da época. Diderot nasceu na
pequena cidade francesa de Langres, a 8 de Outubro de 1713, filho de um cuteleiro chamado
Didier e de Angélica, sua esposa. Desde cedo é orientado para o sacerdócio, em
virtude de possuir, do lado materno, vários clérigos como parentes. Assim
sendo, ingressa no colégio jesuíta da cidade natal, onde se revela brilhante
aluno, sobretudo em latim e matemática. Com apenas treze anos de idade recebe a
tonsura, veste a sotaina e é chamado
senhor abade. Os parentes ficam muito contentes, pensando que ele estivesse
disposto a seguir a carreira eclesiástica, mas logo se desiludem. Diderot quer
apenas estudar e para isso dirige-se a Paris e ingressa no Colégio Louis, le
Grand, onde Voltaire estudara anos antes. Aprofunda-se em lógica, física,
moral, matemática e metafísica, disciplinas vestidas convenientemente, no
ensino da época, em roupagem aristotélica e teológica. Em 1732 torna-se maître des arts
pela Universidade de Paris e mostra-se possuidor de considerável erudição em
grego, italiano e inglês, adquirida autodidacticamente. As necessidades da vida
prática, contudo, precisavam ser satisfeitas e a família opunha-se a sustentar
um intelectual. Diderot torna-se então procurador, mas a profissão lhe é tão
desagradável que a abandona depois de dois anos. Passa fome, pede dinheiro
emprestado e não paga, dá algumas aulas de matemática e redige sermões para
sobreviver. Em 1741, encontra
Antoinette, atraente mulher de 31 anos de idade, filha de uma pequena
comerciante de roupas feitas. Casa-se, apesar dos protestos do pai, que chega a
solicitar a sua prisão. Em 1744,
nasce uma filha, Angélica, e os problemas de subsistência continuam a
atormentá-lo. O abismo entre o casal é cada vez maior: Antoinette representa o
prosaico, a ordem, a limpeza, a ignorância, enquanto Diderot é boémio,
desordenado e inteligente. Para piorar ainda mais a situação, Diderot arranja
uma amante, a sra. Puissieux, também atormentada por problemas económicos.
Uma enciclopédia abala a França
A salvação
veio sob a forma de um convite dos livreiros Briasson, Durand e David para que
Diderot traduzisse do original inglês a Cyclopédia de Ephraim
Chambers, publicada era 1728.
Pagar-lhe-iam cem libras mensais. Diderot aceita e põe-se a trabalhar, projectando
refazer a obra totalmente. Procura obter o apoio oficial do rei, mas consegue
apenas a boa vontade do censor das publicações, desde que os artigos sobre
religião, metafísica e filosofia fossem fiscalizados por um teólogo. Diderot
convida D’Alembert para ocupar o cargo de codiretor para os assuntos
científicos e reúne a intelectualidade francesa na casa da sra. Deffand, a fim
de distribuir tarefas. Rousseau encarrega-se da parte de música, Dumarsais fica
com a gramática, ao abade Mallet reserva-se a teologia. O próprio Diderot
incumbe-se da história da filosofia, ofícios, artes técnicas e de tudo aquilo
para o qual não achasse redactor. Além disso, escreveria o Prospecto,
ficando para D‟Alembert o Discurso Preliminar. Ao lado do
trabalho da Enciclopédia, cuja história seria longa e cheia de
vicissitudes, Diderot dedica-se a outras tarefas, em parte porque as cem libras
pagas pelos editores não permitiam satisfazer os encargos com Antoinette e a sra.
Puissieux, mas sobretudo porque as suas inquietações intelectuais e artísticas
exigiam outros meios de expressão. Escreve e publica, em 1746, os Pensamentos Filosóficos, que lhe rendem
cinquenta luíses e provocam a sua condenação pelo Parlamento de Paris. O autor sustenta,
nessa obra, os direitos da razão e da crítica diante da fé e da revelação, e
isso parecia altamente perigoso às autoridades. Mas Diderot está disposto a
enfrentar os inimigos. Escreve O Passeio do Céptico e é
perseguido pela polícia, que acaba confiscando-lhe o manuscrito. Não se
amedronta e redige a Suficiência da Religião Natural e As
Jóias Indiscretas, obra que causa escândalo, mas vende bem.
Tantas são as críticas, que desiste de imprimir a alegoria O Pássaro
Branco, Conto Azul. Entretanto isso de nada adianta e as perseguições
sucedem-se, culminando pela prisão no castelo de Vincennes.
Só em Agosto
de 1749, cessa a sua
incomunicabilidade e Diderot passa a receber a esposa e os amigos. No mesmo ano
publica a Carta sobre os Cegos para Uso Daqueles que Vêem, onde
coloca um problema de especial interesse para a teoria empirista do
conhecimento: pode um cego de
nascença, que recupere a visão, perceber a tridimensionalidade do espaço?
A Carta conclui por um cepticismo relativista, mas contém em
germe o materialismo organicista posteriormente desenvolvido por Diderot e que
constitui o traço distintivo e original de seu pensamento dentro da filosofia
do século XVIII». In Denis Diderot (1713-1784), Os Pensadores, Abril Cultural, tradução
de Marilena Chauí e J. Guinsburg, editor Vitor Civita, 1979.
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