Manhã
«Estou
e
num breve instante
sinto
tudo
sinto-me
tudo
Deito-me
no meu corpo
e
despeço-me de mim
para
me encontrar
no
próximo olhar
Ausento-me
da morte
não
quero nada
eu
sou tudo
respiro-me
até à exaustão
Nada
me alimenta
porque
sou feito de todas as coisas
e
adormeço onde tombam a luz e a poeira
A
vida (ensinaram-me assim)
deve
ser bebida
quando
os lábios estiverem já mortos
Educadamente mortos»
Novembro 1979
Palavra
que desnudo
«Entre
a asa e o voo
nos
trocámos
como
a doçura e o fruto
nos
unimos
num
mesmo corpo de cinza
nos
consumimos
e
por isso
quando
te recordo
percorro
a imperceptível
fronteira
do meu corpo
e
sangro
nos
teus flancos doloridos
Tu
és o encoberto lado
da
palavra que desnudo
Abril 1981
Poemas de Mia Couto, in ‘Raíz de Orvalho’
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