sábado, 21 de março de 2015

Viagem ao Fundo das Consciências. A Escravatura na Época Moderna. Maria do Rosário Pimentel. «Das regiões orientais vieram também escravos, uns enviados como presente, outros acompanhando os donos, a quem tinham sido entregues como forma de pagamento por serviços prestados…»

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Os Descobrimentos e o Tráfico de Escravos. Zonas de Resgate
«(…) Antonil refere que os poucos moçambicanos, existentes no Brasil, teriam lá chegado a bordo das naus regressadas da Índia. Mas, já na segunda década do século XIX, Tollenar, nas Notas Dominicais redigidas no Recife entre l816 e 1818, dá conhecimento da entrada naquele porto de alguns negreiros procedentes de Moçambique, que consideravam ter feito uma boa viagem quando as perdas não excediam 10% do carregamento. E, segundo o testemunho de Jerónimo Joze Nogueira Andrade, que em 1790 faz uma descrição do estado dos negócios de Moçambique nos finais de Novembro de 1789, aquela possessão africana exportava anualmente de 4 a 5 mil escravos ou mais, dos quais apenas 500 ou 600 eram tirados pelos portugueses. Talvez porque a extracção dos escravos da contracosta exigia investimentos mais avultados, ou porque as relações comerciais e administrativas de Moçambique se processavam mais intensamente com a Índia, os portugueses não foram tão motivados pelo comércio de escravos na costa oriental de África, como na parte ocidental. Esse interesse surgiu apenas nos finais do século XVIII e, de modo mais intenso, no século XIX.
A intensificação do tráfico em Moçambique é justificada, segundo Boxer, pela ambição de lucro que passou a ser mais facilmente satisfeita no século XVIII com o tráfico de escravos do que com o ouro e o marfim. Na verdade, os metais preciosos constituíam um comércio exclusivo da coroa e o marfim só podia ser comerciado mediante o pagamento de um direito suplementar. O ponto fundamental da sua estrutura económica passou então a ser o negócio de escravos e, entre os seus grandes consumidores, surgem as possessões francesas e inglesas. O período áureo da exportação para o Brasil coincidiu com a repressão do tráfico em Angola. Durante o século XIX o tráfico de escravos foi, praticamente, o grande recurso desta colónia. Andrade Corvo, nos Estudos sobre as províncias ultramarinas, escreveu que em Moçambique nenhum outro incentivo havia para a actividade e movimento nas transações comerciais, senão o odioso tráfico de escravo que chegou a tais proporções que de todo paralisou o desenvolvimento e obstou à civilização da colónia. De tal modo foi significativo que, por volta de 1812, o termo comum usado em todo o Oriente para designar um escravo africano era moçambicano.
Das regiões orientais vieram também escravos, uns enviados como presente, outros acompanhando os donos, a quem tinham sido entregues como forma de pagamento por serviços prestados. A importação de escravos dessas regiões para Portugal e suas colónias sofreu bastantes restrições desde cedo, talvez por motivos religiosos e também por razões utilitárias e mesmo estratégicas. Todavia, o facto da exportação para Portugal ter sofrido limitações não significa que também no Oriente os portugueses não tivessem utilizado o trabalho escravo. Com frequência se verificava que os portugueses que ali se encontravam, residentes ou não, tinham escravos e se serviam das redes de comercialização destes. Em 1561, o padre Jerónimo Fernandes observava que todos os anos iam a Malaca muitos navios carregados de negros e gente cativa, vindos de Java, Sunda, Sião, Pegu, China, Bornéu, Macassar, Timor, Solor, Bengala e de muitos outros reinos, alguns deles maiores que a Europa. As possessões espanholas do Pacífico eram então, em parte, fornecidas por mercadores e navios portugueses. Com esta finalidade, em 1612, foram ao porto de Manila sete veleiros provenientes de Macau e da Índia que, além de outras mercadorias, levavam também escravos. E de 1620 há a notícia de um navio que partiu de Malaca para Manila com um carregamento exclusivamente de escravos. Por último, é de referir que a exportação dos ameríndios, apesar de se verificar, nunca atingiu grande vulto. A sua escravização esteve também condicionada por motivos religiosos, além de que o Brasil, por si só, sempre apresentou uma grande procura de mão-de-obra servil, dirigindo-se para lá o grosso do tráfico de escravos português. Em meados do século XVIII, a legislação pombalina desviou mesmo o tráfico negreiro da metrópole para aquela colónia». In Maria do Rosário Pimentel, Viagem ao Fundo das Consciências, A Escravatura na Época Moderna, Faculdade de Letras de Lisboa, Edições Colibri, Lisboa, 1995, ISBN 972-8047-75-4.

Cortesia de Colibri/JDACT