Os Descobrimentos e o Tráfico de Escravos. Zonas de Resgate
«(…) Antonil refere que os poucos moçambicanos, existentes no Brasil,
teriam lá chegado a bordo das naus regressadas da Índia. Mas, já na segunda
década do século XIX, Tollenar, nas Notas
Dominicais redigidas no Recife entre l816 e 1818, dá
conhecimento da entrada naquele porto de alguns negreiros procedentes de
Moçambique, que consideravam ter feito uma boa viagem quando as perdas não
excediam 10% do carregamento. E, segundo o testemunho de Jerónimo Joze Nogueira
Andrade, que em 1790 faz uma
descrição do estado dos negócios de Moçambique nos finais de Novembro de 1789, aquela possessão africana
exportava anualmente de 4 a 5 mil escravos ou mais, dos quais apenas 500 ou 600
eram tirados pelos portugueses. Talvez porque a extracção dos escravos da
contracosta exigia investimentos mais avultados, ou porque as relações
comerciais e administrativas de Moçambique se processavam mais intensamente com
a Índia, os portugueses não foram tão motivados pelo comércio de escravos na
costa oriental de África, como na parte ocidental. Esse interesse surgiu apenas
nos finais do século XVIII e, de modo mais intenso, no século XIX.
A intensificação do tráfico em Moçambique é justificada, segundo Boxer,
pela ambição de lucro que passou a ser mais facilmente satisfeita no século XVIII
com o tráfico de escravos do que com o ouro e o marfim. Na verdade, os metais
preciosos constituíam um comércio exclusivo da coroa e o marfim só podia ser
comerciado mediante o pagamento de um direito suplementar. O ponto fundamental
da sua estrutura económica passou então a ser o negócio de escravos e, entre os
seus grandes consumidores, surgem as possessões francesas e inglesas. O período
áureo da exportação para o Brasil coincidiu com a repressão do tráfico em
Angola. Durante o século XIX o tráfico de escravos foi, praticamente, o grande recurso
desta colónia. Andrade Corvo, nos Estudos
sobre as províncias ultramarinas, escreveu que em Moçambique nenhum outro incentivo havia para a actividade e
movimento nas transações comerciais, senão o odioso tráfico de escravo que
chegou a tais proporções que de todo
paralisou o desenvolvimento e obstou à civilização da colónia. De tal modo
foi significativo que, por volta de 1812,
o termo comum usado em todo o Oriente para designar um escravo africano era moçambicano.
Das regiões orientais vieram também escravos, uns enviados como presente,
outros acompanhando os donos, a quem tinham sido entregues como forma de
pagamento por serviços prestados. A importação de escravos dessas regiões para
Portugal e suas colónias sofreu bastantes restrições desde cedo, talvez por
motivos religiosos e também por razões utilitárias e mesmo estratégicas. Todavia,
o facto da exportação para Portugal ter sofrido limitações não significa que
também no Oriente os portugueses não tivessem utilizado o trabalho escravo. Com
frequência se verificava que os portugueses que ali se encontravam, residentes
ou não, tinham escravos e se serviam das redes de comercialização destes. Em 1561, o padre Jerónimo Fernandes
observava que todos os anos iam a Malaca muitos navios carregados de negros e
gente cativa, vindos de Java, Sunda, Sião, Pegu, China, Bornéu, Macassar,
Timor, Solor, Bengala e de muitos outros reinos, alguns deles maiores que a
Europa. As possessões espanholas do Pacífico eram então, em parte, fornecidas
por mercadores e navios portugueses. Com esta finalidade, em 1612, foram ao porto de Manila sete
veleiros provenientes de Macau e da Índia que, além de outras mercadorias,
levavam também escravos. E de 1620 há
a notícia de um navio que partiu de Malaca para Manila com um carregamento
exclusivamente de escravos. Por último, é de referir que a exportação dos
ameríndios, apesar de se verificar, nunca atingiu grande vulto. A sua
escravização esteve também condicionada por motivos religiosos, além de que o
Brasil, por si só, sempre apresentou uma grande procura de mão-de-obra servil,
dirigindo-se para lá o grosso do tráfico de escravos português. Em meados do
século XVIII, a legislação pombalina desviou mesmo o tráfico negreiro da
metrópole para aquela colónia». In Maria do Rosário Pimentel, Viagem ao
Fundo das Consciências, A Escravatura na Época Moderna, Faculdade de Letras de
Lisboa, Edições Colibri, Lisboa, 1995, ISBN 972-8047-75-4.
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