quinta-feira, 19 de março de 2015

A Igreja Sueva de São Martinho de Dume. Luís Fontes. «… potenciando a sua integração, com outros monumentos da época, num circuito da “Braga Cristã Antiga”. O visitante poderá não só observar o monumento funerário, como fazer uma ‘viagem no tempo’, circulando em cave pelo adro e interior da igreja»


jdact e cortesia de uaum/lfontes

Arquitectura Cristã Antiga de Braga. Antiguidade Tardia do Noroeste de Portugal
«(…) No mais vasto território bracarense, a revisão crítica da documentação e da bibliografia, a par de novos achados arqueológicos, proporcionam uma nova leitura da ocupação e organização do território, até hoje insuspeita. Mais abundantes e dispersos por toda a região do entre Douro-e-Minho, são os inúmeros locais correspondentes a povoados que oferecem testemunhos arqueológicos de ocupação continuada até à alta Idade Média: Cantelães, Parada de Bouro, Pandozes e Rossas, em Vieira do Minho; Lindoso, em Ponte da Barca; Lanhoso, Calvos e São João de Rei, em Póvoa de Lanhoso; Beiral do Lima, Facha, Boalhosa, Santo Ovídio e Santa Cruz do Lima, em Ponte de Lima; Santa Eulália de Águas Santas, Faria, Arefe, Lousado, Cristelo, Martim, Vila Cova e Abade de Neiva, em Barcelos; Cendufe, Eiras, Giela, Tavares, Parada e Santa Maria do Vale, em Arcos de Valdevez; Vila Mou, Areosa, Carmona e Santa Luzia, em Viana do Castelo; Lovelhe, em Vila Nova de Cerveira; Alvaredo, Paderne e Castro Laboreiro, em Melgaço (Fontes 2009). Se a estes vestígios, a que acrescem todos os outros, acrescentarmos as referências toponímicas de antroponímia genitiva, isto é, relativa a possessores ou proprietários, reconhecidamente anteriores ao domínio árabe na Península (Fernandes 1990), ficaremos com um quadro bem mais aproximado da densidade de ocupação do território durante os séculos V-VII.
No vasto território entre os rios Minho e Douro, os grandes povoados fortificados (os castra-castella de Idácio), são omnipresentes. Embora alguns devam ser de fundação contemporânea do domínio suevo-visigótico, a maior parte são de fundação bem mais antiga, ainda anterior ao domínio romano. Com ocupação continuada ou interrompida, esses povoados abrigaram as populações que, fortemente rarefeitas pelas fomes e pestes do século VII, sobreviveram aos tempos incertos de desarticulação do poder no século VIII e que no século seguinte viriam a sustentar o novo esforço de organização protagonizado pela expansão asturiana.
Abandonados definitivamente a partir dos séculos X-XI, continuaram a servir de referencial na localização das propriedades e na delimitação de termos durante toda a Idade Média. Ainda hoje chamados castros, permanecem agora envoltos em lendas de mouras encantadas, que parecem proteger as suas ruínas, até que alguém desvende os seus mistérios e construa as suas memórias.

O projecto de valorização das ruínas arqueológicas de Dume
Culminando um longo processo de petições e requerimentos, já iniciado em 1919 de modo informal, aquando da retirada do Túmulo dito de São Martinho de Dume da capela-mor da igreja paroquial de Dume, e mais formalmente desde 1981, foi superiormente determinado, por despacho do SEC, de 20 de Novembro de 1982, que se procedesse à instalação do referido túmulo na paróquia, devendo para o efeito serem criadas as condições indispensáveis. Entre 1987 e 1991, na sequência quer das obras de restauro da capela de NSª do Rosário, como da ampliação da igreja paroquial de Dume, realizaram-se escavações arqueológicas, financiadas pelo governo central através do ex-Instituto Português do Património Cultural e pela Fundação Calouste Gulbenkian, no subsolo do adro e no interior da igreja, colocando-se a descoberto um importante conjunto de vestígios da época de São Martinho de Dume. A importância e valor histórico, cultural e científico das ruínas arqueológicas de Dume, correspondentes aos vestígios da basílica cristã mandada construir pelo rei suevo Charrarico, em meados do século VI e de parte do mosteiro fundado por São Martinho de Dume, eaproveitando parte de uma uilla romana, da qual se conserva a totalidade da planta de um balneário, levaram à consideração, já em 1991, de que a instalação do túmulo dito de São Martinho de Dume na freguesia se deveria associar à conservação e valorização das ruínas arqueológicas descobertas em torno da igreja paroquial de Dume, abandonando-se o projecto inicial de colocação na capela de NSª do Rosário, a qual se veio a considerar inadequada.
Esta valorização deveria contemplar, numa 1.ª fase, a construção de raiz de um edifício para albergar o Túmulo dito de São Martinho de Dume e para funcionar como centro de recepção ao Núcleo Arqueológico de São Martinho de Dume, numa 2.ª fase, a criação de um percurso museológico entre o novo edifício e a igreja, à menor cota possível, isto é, sob o actual adro, de modo a proporcionar uma visita às ruínas conservadas; numa 3.ª fase, será completado o circuito com a valorização do balneário romano. Cumprindo todas as formalidades legais, que contemplaram a aprovação do projecto pelo Instituto Português do Património Arquitectónico, após escavações arqueológicas prévias entre 2003 e 2005 e satisfação dos requisitos de funcionalidade e de segurança estabelecidos pelo Museu Regional de Arqueologia Diogo Sousa, construiu-se em 2006, com financiamento do Município de Braga, o edifício para albergar o Túmulo dito de São Martinho Dumiense. Com este equipamento, inaugurado no dia 6 de Agosto (dia da festa litúrgica de São Martinho de Dume), pretendeu a JF de Dume criar um pólo destinado a fins culturais e lúdicos, funcionando como centro de interpretação do conjunto de ruínas arqueológicas de Dume, podendo albergar exposições, recepcionar visitas organizadas de público escolar e público indiferenciado mas também de especialistas em Arqueologia e História, potenciando a sua integração, com outros monumentos da época, num circuito da Braga Cristã Antiga. O visitante poderá, assim, no futuro, não só observar o monumento funerário, como fazer uma espécie de viagem no tempo, circulando em cave pelo adro e interior da igreja, vendo ruínas da uilla romana e do mosteiro e basílica suevas». In Luís Fontes, A Igreja Sueva de São Martinho de Dume, Arquitectura Cristã Antiga de Braga e na Antiguidade Tardia do Noroeste de Portugal, Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho, Revista de História da Arte, 2008.

Cortesia da UAUAveiro/JDACT