Arquitectura Cristã Antiga de
Braga. Antiguidade Tardia do Noroeste de Portugal
«(…) No mais vasto território bracarense, a revisão crítica da
documentação e da bibliografia, a par de novos achados arqueológicos,
proporcionam uma nova leitura da ocupação e organização do território, até hoje
insuspeita. Mais abundantes e dispersos por toda a região do entre
Douro-e-Minho, são os inúmeros locais correspondentes a povoados que oferecem
testemunhos arqueológicos de ocupação continuada até à alta Idade Média:
Cantelães, Parada de Bouro, Pandozes e Rossas, em Vieira do Minho; Lindoso, em
Ponte da Barca; Lanhoso, Calvos e São João de Rei, em Póvoa de Lanhoso; Beiral
do Lima, Facha, Boalhosa, Santo Ovídio e Santa Cruz do Lima, em Ponte de Lima;
Santa Eulália de Águas Santas, Faria, Arefe, Lousado, Cristelo, Martim, Vila
Cova e Abade de Neiva, em Barcelos; Cendufe, Eiras, Giela, Tavares, Parada e
Santa Maria do Vale, em Arcos de Valdevez; Vila Mou, Areosa, Carmona e Santa Luzia,
em Viana do Castelo; Lovelhe, em Vila Nova de Cerveira; Alvaredo, Paderne e
Castro Laboreiro, em Melgaço (Fontes 2009). Se a estes vestígios, a que
acrescem todos os outros, acrescentarmos as referências toponímicas de
antroponímia genitiva, isto é, relativa a possessores ou proprietários,
reconhecidamente anteriores ao domínio árabe na Península (Fernandes 1990),
ficaremos com um quadro bem mais aproximado da densidade de ocupação do
território durante os séculos V-VII.
No vasto território
entre os rios Minho e Douro, os grandes povoados fortificados (os castra-castella
de Idácio), são omnipresentes. Embora alguns devam ser de fundação
contemporânea do domínio suevo-visigótico, a maior parte são de fundação bem
mais antiga, ainda anterior ao domínio romano. Com ocupação continuada ou
interrompida, esses povoados abrigaram as populações que, fortemente rarefeitas
pelas fomes e pestes do século VII, sobreviveram aos tempos incertos de desarticulação
do poder no século VIII e que no século seguinte viriam a sustentar o novo
esforço de organização protagonizado pela expansão asturiana.
Abandonados
definitivamente a partir dos séculos X-XI, continuaram a servir de referencial
na localização das propriedades e na delimitação de termos durante toda a Idade
Média. Ainda hoje chamados castros,
permanecem agora envoltos em lendas de mouras encantadas, que parecem proteger
as suas ruínas, até que alguém desvende os seus mistérios e construa as suas
memórias.
O projecto de valorização das ruínas arqueológicas de Dume
Culminando um longo
processo de petições e requerimentos, já iniciado em 1919 de modo informal, aquando da retirada do Túmulo dito de São
Martinho de Dume da capela-mor da igreja paroquial de Dume, e mais formalmente
desde 1981, foi superiormente
determinado, por despacho do SEC, de 20 de Novembro de 1982, que se procedesse à instalação do
referido túmulo na paróquia, devendo para o efeito serem criadas as condições
indispensáveis. Entre 1987 e 1991, na sequência quer das obras
de restauro da capela de NSª do Rosário, como da ampliação da igreja paroquial
de Dume, realizaram-se escavações arqueológicas, financiadas pelo governo
central através do ex-Instituto Português do Património Cultural e pela
Fundação Calouste Gulbenkian, no subsolo do adro e no interior da igreja,
colocando-se a descoberto um importante conjunto de vestígios da época de São
Martinho de Dume. A importância e
valor histórico, cultural e científico das ruínas arqueológicas de Dume,
correspondentes aos vestígios da basílica cristã mandada construir pelo rei
suevo Charrarico, em meados
do século VI e de parte do mosteiro fundado por São Martinho de Dume, eaproveitando
parte de uma uilla romana,
da qual se conserva a totalidade da planta de um balneário, levaram à
consideração, já em 1991, de que a
instalação do túmulo dito de São Martinho de Dume na freguesia se deveria
associar à conservação e valorização das ruínas arqueológicas descobertas em
torno da igreja paroquial de Dume, abandonando-se o projecto inicial de
colocação na capela de NSª do Rosário, a qual se veio a considerar inadequada.
Esta valorização deveria contemplar, numa 1.ª fase, a construção de raiz de um edifício para albergar o Túmulo
dito de São Martinho de Dume e para funcionar como centro de recepção ao
Núcleo Arqueológico de São Martinho de Dume, numa 2.ª fase, a criação de um percurso museológico entre o novo
edifício e a igreja, à menor cota possível, isto é, sob o actual adro, de modo
a proporcionar uma visita às ruínas conservadas; numa 3.ª fase, será completado o circuito com a valorização do balneário
romano. Cumprindo todas as formalidades legais, que contemplaram a aprovação do
projecto pelo Instituto Português do Património Arquitectónico, após escavações
arqueológicas prévias entre 2003 e 2005 e satisfação dos
requisitos de funcionalidade e de segurança estabelecidos pelo Museu Regional
de Arqueologia Diogo Sousa, construiu-se em 2006, com financiamento do Município de Braga, o edifício para
albergar o Túmulo dito de São Martinho Dumiense. Com este equipamento,
inaugurado no dia 6 de Agosto (dia
da festa litúrgica de São Martinho de Dume), pretendeu a JF de Dume criar
um pólo destinado a fins culturais e lúdicos, funcionando como centro de
interpretação do conjunto de ruínas arqueológicas de Dume, podendo albergar
exposições, recepcionar visitas organizadas de público escolar e público
indiferenciado mas também de especialistas em Arqueologia e História,
potenciando a sua integração, com outros monumentos da época, num circuito da Braga
Cristã Antiga. O visitante poderá, assim, no futuro, não só observar o
monumento funerário, como fazer uma espécie de viagem no tempo, circulando em cave pelo adro e interior da igreja,
vendo ruínas da uilla romana e do mosteiro e basílica suevas». In Luís Fontes, A Igreja Sueva de São
Martinho de Dume, Arquitectura Cristã Antiga de Braga e na Antiguidade Tardia
do Noroeste de Portugal, Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho,
Revista de História da Arte, 2008.
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