sexta-feira, 13 de março de 2015

Poesia. Estâncias Reunidas. Música. «A ciência é o querer adaptar o menor sonho ao maior. Citar é ser injusto. Enumerar é esquecer. Não quero esquecer ninguém de quem não me lembre»

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[…]
VII
«Ao céu regresso.
Quero dizer
à terra anoitecida
pelo amor.
Extasio-me
com a terrestre vida dos astros.
Passeio
por uma estrada de estrelas.
Isto é
uma estrada de flores sublimadas
pela noite.
Vou visitar um estábulo
em pleno universo.
Zodíaco.
Jardim zoológico astral.
Lá estão as constelações
irradiando o seu frio.
Quero dizer
os animais pela memória
desterrados.
Regresso à noite.
Piso a escuridão.
Olho o céu
como se a terra visse.
As estrelas são flores.
As constelações são animais.
O céu é um jardim
com um estábulo no meio.
Comem flores os animais da terra.
Mastigam estrelas os do céu.
O céu também é um chão
mas um chão feito de memória.
Estão lá os mitos.
Isto é
homens elevados
pela luz e pela palavra.
Pisam-se lá em cima astros
como em baixo
se pisam pedras.
No céu passo por mitos
e por ideias.
Estão lá poemas.
Quero dizer
coisas metaforizadas
por esta outra noite do mundo
íntima e secreta
que são as palavras».


VIII
«A memória é a chave do mundo.
Com ela faço regredir ou progredir
qualquer matéria.
Esquecer
é soltar a manhã.
Quando a memória arrefece
fica o céu em pedra.
Uma ideia
quando esfria
é uma cratera aberta.
As coisas da terra
são do céu a cinza.
Esquecer
é materializar os metais.
Uma pedra é uma estrela
que a frio secou.
Uma flor é uma estrela de carne.
Os metais são sóis
que nas dobras da terra morrem.
As jóias são relâmpagos
solidificados.
Os líquidos fixam-se
e os fogos secam.
As pérolas são névoa
condensada em gotas duras.
As formas são lume calcinado.
Coisas opacas e mudas».
[…]
Poema de António Cândido Franco, in ‘Estâncias Reunidas

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