quinta-feira, 12 de março de 2015

Manique do Intendente. Uma Vila Iluminista. «… vimos de longe uma fila de casas onde ele tinha instalado uma colónia de mulheres vindas das ilhas portuguesas; em vão quis ele torná-las industriosas e pelo seu exemplo tornar a gente daquela terra menos preguiçosa»

jdact e wikipedia

«(…) Esta experiência vai repercutir-se no país através da assimilação das influências italianas de carácter neoclássico. O Intendente contratou para dar aulas na Casa Pia professores italianos: Labruzzi, que leccionava desenho, e Angelini (discípulo de Canova) para a disciplina de escultura. Pina Manique aparece também ligado à construção do Teatro de São Carlos, da autoria do arquitecto José Costa Silva, arquitecto de formação italiana, também autor do projecto do Erário Real de Lisboa (1790), que acabou por não se construir.

O Processo de Construção da Vila
O Intendente cogitou um projecto ambicioso para aplicar nas suas terras, seguindo a sua linha de pensamento e actuação. Distribuiu foros antecipadamente, com prédios urbanos e rurais, estes em lugares como a Charneca do Parô, Vale de Mancebo e Cabeço. Teria planeado instalar em Manique uma sucursal da Casa Pia. Esse projecto realizou-se apenas em parte com a instalação de uma fábrica de filatórios, para a qual mandou vir rapazes da escola fabril da Casa Pia. Desta construção não restam vestígios, nem memória. Com a intenção de promover o desenvolvimento da indústria que protegia, o Intendente requereu direitos sobre todas as mercadorias que fabricava. O Intendente diz, a propósito dessa experiência: …disseminei também esta mão-de-obra [da Casa Pia] na Vila de Manique do Intendente, movido de zelo patriótico, não só por conhecer que Portugal é comtemplado [sic] como potência marítima e que necessita de ter brins e lonas como matéria-prima para a sua navegação, e ficar independente de estrangeiros. Dos seus esforços nada resta e já à época o marquês de Bombelles, de visita às terras do duque de Lafões, depreciava a sua iniciativa: … vimos de longe uma fila de casas onde ele tinha instalado uma colónia de mulheres vindas das ilhas portuguesas; em vão quis ele torná-las industriosas e pelo seu exemplo tornar a gente daquela terra menos preguiçosa. Os seus projectos não foram coroados de qualquer êxito; hoje em dia é a gente de Alcoentrinho que vive naquelas casas, e a industria desta terra também não fez progresso nenhum.
A nova Manique do Intendente teria provavelmente um projecto cuidadosamente pensado, que incluía um palácio, uma igreja paroquial, pelourinho, casas para juízes e vereadores e Câmara, para além das habitações comuns. Aos habitantes de Alcoentrinho juntaram-se colonos açorianos, que se instalaram no local denominado Ilhas, topónimo ainda presente na actualidade. A maioria das obras decorreram entre 1791 e 1800, tendo o Intendente pedido um empréstimo de 32 contos de reis para levar a sua obra para a frente. Infelizmente, a sua queda em desgraça não permitiu o prosseguimento das obras, e a sua morte (1805) deixou a família com graves problemas financeiros. O seu sonho morreu também.
A povoação a que o Intendente aspirou apenas pode ser adivinhada pelas reduzidas partes que foram, de facto, construídas e que se mantiveram de pé até hoje. Um palácio com igreja, de feição monumental, que era o extremo visual da estrada de acesso à vila, orientada a Lisboa, feita em linha recta, até encontrar uma colina demasiado alta para ser transposta. Atravessa a ribeira do Judeu na ponte D. Maria. Mais em baixo da encosta, relativamente ao palácio, a nascente do eixo de Lisboa, uma praça hexagonal foi erguida, não obstante o seu lado Sul, ocupado pela Junta de Freguesia de Manique do Intendente, ser de construção recente. Nela ergue-se, a Norte, a Casa de Câmara e Cadeia. No seu centro, eleva-se o pelourinho, assente em quatro degraus poligonais. No dizer de Walter Rossa, encontramos nesta vila um misto de impacto paisagístico barroco e de urbanismo neoclassicizante. De facto, esta experiência tardia do nosso século XVIII mostra duas faces bastante distintas. Se as habitações que compõem a Praça dos Imperadores, e mesmo o edifício da Câmara e Cadeia, são facilmente filiáveis nos fenómenos pombalinos, na sua simplicidade geométrica de claro efeito, a introdução da forma hexagonal é desde logo um sinal claro de que não estamos perante o mesmo tipo de actuação urbanística. Percebe-se talvez uma vontade de excepção à luz do contexto nacional. Quando consideramos o conjunto do palácio-igreja, é claro que a sua vertente de ligação/comunicação com o território, até a nível simbólico, vai beber à arquitectura barroca, de objectos omnipresentes e dinamizadores do vínculo entre a arquitectura e a paisagem natural e/ou construída. Por outro lado não são de desprezar as influências do urbanismo iluminista além-fronteiras, com algumas experiências a re-utilizarem traçados baseados em eixos dominantes. Horta Correia fala de um eco da formalização pombalina nas casas que compõem a Praça e diz ainda que um sistema irradiante de ruas com nomes de imperadores romanos completaria o complexo urbanístico, único entre nós e que poderá recordar algumas das novas povoações da colonização interna andaluza.

NOTA: Pelourinho de Manique
«A primeira menção conhecida à actual freguesia respeita a 1301, data do documento de escambo da quinta de Alcoentrinho (assim nomeada pela proximidade com Alcoentre), que pertencia desde o século XIII à paróquia de S. Pedro de Arrifana. A adopção do topónimo actual deu-se apenas no final do século XVIII, depois de a rainha dona Maria I, tendo em conta os serviços prestados à Coroa por Diogo Inácio Pina Manique, intendente geral da polícia, lhe ter concedido o morgado e a jurisdição da população, e mais tarde o direito de lhe alterar o nome para Manique do Intendente, a partir de então sede de concelho. Embora efémero, já que foi extinto em 1836, o novo concelho começou por sustentar um projecto pessoal de grandes dimensões, do qual ainda existem muitos vestígios. Pina Manique começou aí a construção de um sumptuoso palácio, ao qual se seguiriam os edifícios da futura Câmara Municipal e de um tribunal, para além do levantamento de pelourinho, primeiro testemunho da recém-adquirida autonomia jurídica e estatuto municipal. Este plano implicava a reconfiguração da anterior aldeia, de forma a constituir um exemplo de urbanismo e arquitectura modernas, de acordo com a tratadística Neoclássica em voga. Embora as obras do palácio nunca tivessem sido concluídas, o pelourinho ergue-se ainda diante das ruínas do mesmo, na praça central da terra, onde também se situam os Paços do Concelho. O Pelourinho assenta num soco de quatro degraus oitavados, de arestas boleadas. Consta de uma base na forma de paralelepípedo alto, de secção octogonal, com as faces molduradas, e de uma coluna de fuste liso, com secção circular e ligeira entasis, sendo o primeiro terço realçado por uma estreita moldura anelar. Entre o topo da coluna e o capitel estão os ferros de sujeição, em cruz, rematados em flor-de-lis, e conservando ainda as argolas. O capitel é constituído por um troço bojudo entre molduras circulares, sobre o qual se dispõe o remate. Este é composto por uma pequena plataforma poligonal (sextavada) moldurada, e por um pináculo igualmente poligonal, de faces estriadas na metade superior». In SML, Igespar.

In Cátia Gonçalves Marques, Departamento de Arquitectura da FCTUC, Junho de 2004.

Cortesia de FCTUC/JDACT