«(…) Esta experiência
vai repercutir-se no país através da assimilação das influências italianas de
carácter neoclássico. O Intendente contratou para dar aulas na Casa Pia
professores italianos: Labruzzi, que leccionava desenho, e Angelini (discípulo
de Canova) para a disciplina de escultura. Pina Manique aparece também ligado à
construção do Teatro de São Carlos, da autoria do arquitecto José Costa Silva,
arquitecto de formação italiana, também autor do projecto do Erário Real de
Lisboa (1790), que acabou por não se construir.
O Processo de Construção da Vila
O Intendente cogitou um
projecto ambicioso para aplicar nas suas terras, seguindo a sua linha de
pensamento e actuação. Distribuiu foros antecipadamente, com prédios urbanos e
rurais, estes em lugares como a Charneca do Parô, Vale de Mancebo
e Cabeço. Teria planeado instalar em Manique uma sucursal da Casa Pia. Esse
projecto realizou-se apenas em parte com a instalação de uma fábrica de
filatórios, para a qual mandou vir rapazes da escola fabril da Casa Pia. Desta
construção não restam vestígios, nem memória. Com a intenção de promover o
desenvolvimento da indústria que protegia, o Intendente requereu direitos sobre
todas as mercadorias que fabricava. O Intendente diz, a propósito dessa
experiência: …disseminei também esta mão-de-obra [da Casa Pia] na
Vila de Manique do Intendente, movido de zelo patriótico, não só por conhecer
que Portugal é comtemplado [sic] como potência marítima e que necessita
de ter brins e lonas como matéria-prima para a sua navegação, e ficar independente
de estrangeiros. Dos seus esforços nada resta e já à época o marquês de
Bombelles, de visita às terras do duque de Lafões, depreciava a sua iniciativa:
… vimos de longe uma fila de casas onde ele tinha instalado uma colónia de
mulheres vindas das ilhas portuguesas; em vão quis ele torná-las industriosas e
pelo seu exemplo tornar a gente daquela terra menos preguiçosa. Os seus
projectos não foram coroados de qualquer êxito; hoje em dia é a gente de
Alcoentrinho que vive naquelas casas, e a industria desta terra também não fez
progresso nenhum.
A nova Manique do
Intendente teria provavelmente um projecto cuidadosamente pensado, que incluía
um palácio, uma igreja paroquial, pelourinho, casas para juízes e vereadores e Câmara,
para além das habitações comuns. Aos habitantes de Alcoentrinho
juntaram-se colonos açorianos, que se instalaram no local denominado Ilhas, topónimo ainda presente na
actualidade. A maioria das obras decorreram entre 1791 e 1800, tendo o Intendente
pedido um empréstimo de 32 contos de reis para levar a sua obra para a frente. Infelizmente,
a sua queda em desgraça não permitiu o prosseguimento das obras, e a sua morte
(1805)
deixou a família com graves problemas financeiros. O seu sonho morreu também.
A povoação a que o
Intendente aspirou apenas pode ser adivinhada pelas reduzidas partes que foram,
de facto, construídas e que se mantiveram de pé até hoje. Um palácio com
igreja, de feição monumental, que era o extremo visual da estrada de acesso à
vila, orientada a Lisboa, feita em linha recta, até encontrar uma colina
demasiado alta para ser transposta. Atravessa a ribeira do Judeu na ponte D.
Maria. Mais em baixo da encosta, relativamente ao palácio, a nascente do eixo
de Lisboa, uma praça hexagonal foi erguida, não obstante o seu lado Sul,
ocupado pela Junta de Freguesia de Manique do Intendente, ser de construção recente.
Nela ergue-se, a Norte, a Casa de Câmara e Cadeia. No seu centro, eleva-se o pelourinho,
assente em quatro degraus poligonais. No dizer de Walter Rossa, encontramos
nesta vila um misto de impacto paisagístico barroco e de urbanismo
neoclassicizante. De facto, esta experiência tardia do nosso século XVIII mostra
duas faces bastante distintas. Se as habitações que compõem a Praça dos Imperadores,
e mesmo o edifício da Câmara e Cadeia, são facilmente filiáveis nos fenómenos pombalinos,
na sua simplicidade geométrica de claro efeito, a introdução da forma hexagonal
é desde logo um sinal claro de que não estamos perante o mesmo tipo de actuação
urbanística. Percebe-se talvez uma vontade de excepção à luz do contexto
nacional. Quando consideramos o conjunto do palácio-igreja, é claro que a sua
vertente de ligação/comunicação com o território, até a nível simbólico, vai
beber à arquitectura barroca, de objectos omnipresentes e dinamizadores do
vínculo entre a arquitectura e a paisagem natural e/ou construída. Por outro
lado não são de desprezar as influências do urbanismo iluminista
além-fronteiras, com algumas experiências a re-utilizarem traçados baseados em eixos
dominantes. Horta Correia fala de um eco da formalização pombalina nas
casas que compõem a Praça e diz ainda que um sistema irradiante de ruas com nomes
de imperadores romanos completaria o complexo urbanístico, único entre nós e
que poderá recordar algumas das novas povoações da colonização interna
andaluza.
NOTA: Pelourinho de Manique
«A primeira menção conhecida à actual freguesia respeita a 1301, data do documento de escambo da
quinta de Alcoentrinho (assim nomeada pela proximidade com Alcoentre), que
pertencia desde o século XIII à paróquia de S. Pedro de Arrifana. A adopção do
topónimo actual deu-se apenas no final do século XVIII, depois de a rainha dona
Maria I, tendo em conta os serviços prestados à Coroa por Diogo Inácio Pina
Manique, intendente geral da polícia, lhe ter concedido o morgado e a
jurisdição da população, e mais tarde o direito de lhe alterar o nome para
Manique do Intendente, a partir de então sede de concelho. Embora efémero, já
que foi extinto em 1836, o novo
concelho começou por sustentar um projecto pessoal de grandes dimensões, do
qual ainda existem muitos vestígios. Pina Manique começou aí a construção de um
sumptuoso palácio, ao qual se seguiriam os edifícios da futura Câmara Municipal
e de um tribunal, para além do levantamento de pelourinho, primeiro testemunho
da recém-adquirida autonomia jurídica e estatuto municipal. Este plano
implicava a reconfiguração da anterior aldeia, de forma a constituir um exemplo
de urbanismo e arquitectura modernas, de acordo com a tratadística Neoclássica
em voga. Embora as obras do palácio nunca tivessem sido concluídas, o
pelourinho ergue-se ainda diante das ruínas do mesmo, na praça central da
terra, onde também se situam os Paços do Concelho. O Pelourinho assenta num
soco de quatro degraus oitavados, de arestas boleadas. Consta de uma base na
forma de paralelepípedo alto, de secção octogonal, com as faces molduradas, e
de uma coluna de fuste liso, com secção circular e ligeira entasis, sendo o primeiro terço
realçado por uma estreita moldura anelar. Entre o topo da coluna e o capitel
estão os ferros de sujeição, em cruz, rematados em flor-de-lis, e conservando
ainda as argolas. O capitel é constituído por um troço bojudo entre molduras
circulares, sobre o qual se dispõe o remate. Este é composto por uma pequena
plataforma poligonal (sextavada) moldurada, e por um pináculo igualmente
poligonal, de faces estriadas na metade superior». In SML, Igespar.
In Cátia Gonçalves Marques,
Departamento de Arquitectura da FCTUC, Junho de 2004.
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