segunda-feira, 16 de março de 2015

Romance Histórico no Romantismo Português. Castelo Branco Chaves. «O ‘Monge de Cister’, festejado como a nossa primeira novela histórica aquando da sua publicação, constitui o segundo quadro de O Monasticon e conta a luta íntima entre uma violenta paixão de vingança e o preceito cristianíssimo do perdão»

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O romance histórico no primeiro romantismo português
Herculano
«(…) Quando o carácter dos indivíduos ou das nações é suficientemente conhecido, quando os monumentos, as tradições e as crónicas desenharam esse carácter com pincel firme, o novelista pode ser mais verídico do que o historiador; porque está mais habituado a recompor o coração do que é morto pelo coração do que é vivo, o génio do povo que passou pelo do povo que passa. Desde o aparecimento de Mestre Gil, da Abóbada e da Morte do Lidador, Herculano conquistara um público que lhe ficou fiel e discípulos que o não negaram. Testemunham-no não só as sucessivas reedições dos seus romances, como também o seu discípulo Rebelo Silva, que em 1848 escrevia no jornal A Época: … esse nome escrito no rosto da Harpa do Crente, da História de Portugal, do Presbítero, e ultimamente no Monge de Cister é tão conhecido na casa patriarcal das províncias como no faustoso aposento da cidade.
Em 1840, Herculano escreveu o seu primeiro romance histórico, o Monge de Cister, que só veio a ser publicado em volume em 1848, para entretanto dar a primazia de estampa ao Eurico (1844), elaborado durante o ano de 1843. O Monge de Cister está composto dentro dos princípios estéticos e dos objectivos que o seu autor adoptara para o género novelístico cujas primícias lhe ficaram a pertencer na literatura portuguesa. O Monge faz parte de uma série romanesca intitulada O Monasticon, concepção complexa, cujos limites não sei de antemão assinalar, e que o autor, depois de escrito o Eurico, deixou apenas em díptico. O Eurico, porém, já não é só uma crónica-romance mas, principalmente, uma crónica-poema, lenda ou quer que seja dos presbítero godo. Esse hibridismo elevou, pela poesia do eu romântico, o Eurico à categoria de uma das obras representativas do Romantismo. A densa atmosfera de fatalidade nos amores de Eurico e Hermengarda, a solução pela morte de um e loucura da outra estavam na índole da concepção do amor mais generalizada entre portugueses: amor louco, morte por amor.
Outra virtude romântica que explica o lugar que o Eurico veio ocupar na produção literária do romantismo português, direi até peninsular, foi a época escolhida, que tanto satisfez ao gosto da época pelo exotismo no tempo, talvez a mais atraente sedução a que o romântico sucumbia. No Eurico, Herculano foge já ao cânone por ele próprio estabelecido, dominado pela feição do seu temperamento poético, elegíaco e soturno. De resto, só os medíocres são ortodoxos na escola literária; os grandes e os maiores não se sujeitam ao constrangimento da regra. Castilho, ao apreciar o Eurico na Revista Universal Lisbonense condena-lhe a originalidade dizendo: … o Eurico, em nossa particular e respeitosa opinião, é um livro mui notável para ser lido, muito impróprio para ser inculcado como vade mecum. Os seus desenhos são severos, grandiosos e todos a negro. Foi uma valente mão a que os perfez; só outra valente mão os poderia copiar, e faria mal se o fizesse. São como as poesias de Ossian: maravilham, e largam-se. O que hoje principalmente carecemos, o que pedimos, e o que esperamos virá aparecendo, são obras correntes, acessíveis a todos os entendimentos, adaptáveis a todos os gostos, espelhos do mundo, da alma e do coração, três coisas em que há sempre misturada toda a sorte de cores e de tons.
Assim, Castilho já então aparecia a propugnar por uma novelística divulgadora de conhecimentos, de moral acomodada às conveniências, acessível a todos os entendimentos, aquilo que viria a ser o romance histórico do segundo romantismo. O Monge de Cister, festejado como a nossa primeira novela histórica aquando da sua publicação, constitui o segundo quadro de O Monasticon e conta a luta íntima entre uma violenta paixão de vingança e o preceito cristianíssimo do perdão. Pretende ressuscitar a época do rei João I e está recheado de erudição arqueológica suficientemente adequada a um romance. Neste particular, o poder descritivo do autor é incomparavelmente maior do que o evocativo. Herculano não possuía em grande medida o poder de criação novelística e o Monge de Cister, no que respeita a acção e personagens, foi todo descrito em tons sombrios e, se na parte histórica, em vários lances, rivaliza com Scott, na elaboração da parte fictiva ficou aquém das obras do romancista escocês». In Castelo Branco Chaves, O Romance Histórico no Romantismo Português, Instituto de Cultura Português, Centro Virtual Camões, Instituto Camões, oficinas Gráficas da Livraria Bertrand, 1980.

Cortesia do ICamões/JDACT