«Da vossa gran fremusura
ond' eu, senhora, atendia
gran ben e grand' alegria
mi vem gran mal sem mesura
e pois ei coita sobeja
praza-vos já que vos veja
no ano ua vez d' un dia».
Poema
de Dinis I, rei de Portugal
«(da formosura dela de que esperava
(atendia) tantos bens e tantas alegrias (gran bem e grand' alegria), só lhe
veio gran mal sem mesura (grandes males sem medida) .E já que de penas de amor (coita)
tem o que sobeja, que ela se disponha a permitir-lhe que ele ao menos a veja
uma vez por ano)».
NOTA:
«Tudo
começou nos anos oitenta do século XX quando o professor Arnaldo Soledade me
pediu que atribuísse ao fontanário existente junto à capela de Nossa Senhora
das Salvas, na cidade de Sines, o nome de Fonte
de Dona Betaça, juntamente com algumas datas marcantes (1282,
ano de sua chegada a Portugal; 1755, ano do terramoto que terá
feito ruir definitivamente a original capela; 1989, ano da colocação da
placa azulejar alusiva). Alguns anos mais tarde enviava-me Arnaldo Soledade um
trabalho extraordinário. Nada menos que cópia de parte de um código, que pesquisara
e analisara com sangue, suor e lágrimas,
como gostava de chamar àqueles dias e noites intermináveis, passados nas
poeiras dos arquivos e no meio das velharias literárias. Para os Amigos
do Saber, como o velho professor gostava de chamar a quem se
interessava pelas coisas do conhecimento histórico e não só, o código a
que entusiasticamente se referia estava e está guardado no Arquivo Nacional da
Torre do Tombo, no códice nº 164 da Ordem de Santiago de Espada. Tratava-se do
texto da Visitação de D. Jorge de Lencastre a Sines em 1517, ou seja, a
descrição dos bens régios, clericais e particulares existentes e inspeccionados
no concelho, àquela data. Uma espécie de inventário geral concelhio, realizado
pelos homens da poderosa Ordem de Santiago de Espada, reflectindo as realidades
económicas, sociais e humanas de Sines em 1517.
Um texto importantíssimo que li avidamente e onde fui reencontrar, uma outra
referência a dona Betaça. Diz a Visitação de D. Jorge de Lencastre, filho
bastardo do rei João II e Mestre da Ordem de Santiago de Espada, sobre a ermida
de Nossa Senhora das Salas: … porque esta
ermida de Nossa Senhora das Sallas foi edificada no tempo em que a rainha dona
Betaça da Grécia aqui desembarcou, e foi ela que fez a dita ermida, onde Nosso
Senhor tem feitos e faz muitos milagres, e será sem razão e coisa escandalosa
ver-se desfazer a dita casa do lugar em que está. Por isso e por esta Visitação
ordenamos e mandamos que a dita casa fique para sempre onde está e não se mude
dali. E mandamos aos mordomos e confrades da dita casa que a façam mais comprida,
assim como era dantes, e alevantem e rasguem uma janela de fronte ao mar obra
que agora encomendamos e rogamos para que o façam o mais cedo que poderem, por
ser casa de muita devoção... e dentro da dita ermida está uma fonte de água (no
texto fomte daguoa nudjuel). Não muito tempo antes do acima referido o
incansável professor Soledade trouxera-me outra marcante
revelação: Descobrira uma segunda Carta de Foral de Sines anterior ao foral
de Manuel I de 1512, que se
encontrava guardado no cofre da Tesouraria Municipal. E ele tinha-a em seu
poder. Era de 1362, mais
concretamente de 24 de Novembro desse ano, e estava assinada por el-rei
Pedro I, neto de Dinis I e filho de Afonso IV. Ora Pedro havia nascido em
Coimbra em 1320 e certamente tinha
sido recebido com enorme alegria por toda a corte e especialmente pelos seus
avós, Dinis e Isabel, e pela princesa favorita Vataça Lascaris. Pedro só
seria rei de Portugal após a morte de seu pai Afonso IV, em 1357, e muito certamente, terá visitado,
após a morte do avô Dinis em 1325,
por várias vezes, o Paço de sua avó em Coimbra, no Convento de Santa Clara, e
juntamente com a antiga rainha, o Paço de S. Romão de Panóias de Vataça
Lascaris e o castelo de Santiago do Cacém, sede da comenda. E nestas
suas deslocações com sua avó Isabel a Santiago do Cacém não custa acreditar que
se tenha deslocado a Sines onde visitava a capela de Nossa Senhora das Salvas e
passeava de barco com os pescadores locais. Era portanto seguro que dona
Betaça ou Vataça Lascaris estivera em Sines no primeiro quartel do século XIV
e mandara construir a primitiva capela em honra de Nossa Senhora das Salvas, a qual,
dois séculos depois, em 1517, era
conhecida por capela de Nossa Senhora das Salas. Porquê? Que razões
terão presidido a esta alteração de Salvas para Salas? O mistério
permanece porque nenhum historiador até ao presente deu cabal explicação. Incluindo
aquele que mais aprofundadamente estudou o concelho de Sines e sobre ele
escreveu, o
próprio
Arnaldo Soledade». In Francisco do Ó Pacheco, Vataça, A Favorita de Dom Dinis, Prime
Books, 2013, ISBN 978-989-655-183-4.
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