Ela.
Sinfonia nº 2 de Felix Mendelssohn
«Não
iremos mais ao bosque, os loureiros foram ceifados. A bela que chegou irá colhê-los...
A bela era eu! Tinha 8 anos, cabelos castanhos compridos, cílios grandes sobre
olhos verdes, não, amarelos, zombava
Agathe, minha irmã mais velha. Dentes proeminentes, o que seria fácil de consertar
com um aparelho, e a pele morena, que me protegia dos raios de sol. Ah! Eu era
a cara do meu pai, um tipo mediterrâneo com uma remota ascendência de espanhóis.
Agathe, por sua vez, puxara ao lado
da mãe, garota do Norte, loura de olhos azuis, esguia e fina como só ela. Pão branco, pão
preto. Não são farinha do mesmo saco, brincavam carinhosamente as pessoas
ao nos verem lado a lado. Vale dizer que o meu pai era padeiro. Vivíamos entre
o mar e as macieiras, na Normandia, numa aldeia de setecentos habitantes, número
que triplicava na temporada turística, pois ficava pertinho de Deauville. Com
as tempestades que às vezes nos roubavam um marinheiro, as ressacas, um ou
outro deslizamento de penhasco, os amores do carteiro, os da Sra. Pointeau por
incontáveis gatos e cães que um dia a devorariam, nunca nos entediávamos em
Villedoye. Todas as pessoas se conhecia e... A padaria não é, para todo o cristão
que se preze, a parada obrigatória de
todos os dias? Cresci, invejada pelas colegas, em meio ao aroma quente
da massa de pão, das tortas, dos croissants
e dos bolinhos, e tão habituada a eles que nem lhes dava mais atenção. Todas as
manhãs, um autocarro levava Agathe e eu ao colégio. Em breve seria o liceu e,
se continuássemos os estudos, a universidade, em Caen. A mãe já nos via
professoras primárias, profissão ideal quando a pessoa tem filhos, proporcionando
um emprego seguro e, graças aos horários e às férias, o tempo de dedicar-se a
seus afazeres como bem lhe aprouver. Claro, na Normandia chovia muito, mas nós gostávamos
disso, pois combinava com a região. Tenho 13 anos e estamos no verão. Agathe
foi à praia com amigos, mas preferi ficar lendo na cama. Na cozinha, a mãe
conversa com Jeannette, uma das minhas incontáveis tias. Riem ao falar da minha
irmã, que não sabe o que fazer com tantos pretendentes, como os grandalhões que
vieram pegá-la em três carros para tomar banho de mar em Deauville. E todos
queriam levá-la, viu? Mais um pouco e saíam
na briga. Está aí uma para quem não terá dificuldade em arranjar casamento,
observa minha tia. Não somos nós que os arranjamos mais, elas se viram muito
bem sozinhas, diz sensatamente minha mãe. Aguço os ouvidos, pois o assunto me
interessa. Isso não deixa a pequena chateada?, pergunta Jeannette, baixinho. A pequena sou eu. As pessoas nos
diferenciam assim. O que poderia incomodar a pequena? O que pensa, responde a mãe.
Elas se adoram. E não se esqueça de que Laura é a melhor na escola. É verdade. Lá sou maravilhosa, e é
Agathe que vira a pequena, até mesmo minúscula, no dia em que trazemos os
boletins para assinar. A propósito, ela repetiu de ano. Agora estou apenas uma
série atrás dela. Eu: Excelente aluna, séria, talentosa, parabéns!
Ela:
Poderia se sair melhor em todas as disciplinas,
menos educação física, pois ela adora ficar de short para que admirem o seu
corpo. Agathe e o estudo não combinam. Ela prefere sonhar, enrolando no dedo um
dos seus compridos cachos louros. E no dia do boletim, eu é que tenho de consolá-la.
Tem razão, concorda Jeannette. Pelo menos
a pequena brilha. De certa maneira, é uma compensação. E depois, eu não disse que Laura
era feia. Não é de se jogar fora. É, que, quando se compara...
O
barulho da cadeira sendo empurrada com brusquidão indica tempestade no ar. A mãe
retruca, furiosa: Mas por que ficam
comparando? Por acaso comparam o lírio com a flor silvestre? Pois saiba
que eu acho óptimo ter duas filhas tão diferentes. Comparar. Até aquele
momento eu não pensara muito nisso. Aos 13 anos, todos lhe dirão a mesma coisa,
é a idade da transformação, quando a mocinha apenas se insinua e ainda não
podemos prever o resultado final. O importante, nessa fase, é ter um bom
ambiente em casa, uma irmã com quem conspirar e amigas. Eu tinha tudo isso; na verdade,
tinha até mais amigas do que Agathe, que era metida e não sabia guardar
segredos. Quando ela voltou da praia e tomou o seu banho de água doce,
espalhando areia para todo lado, com a porta aberta para ser admirada, fiquei
comparando». In Janine Boissard, Pela Luz dos Olhos Seus, 2003, Editora
Arqueiro, 2013, tradução de André Teles, ISBN 978-858-041-211-6.
Cortesia
EArqueiro/JDACT