domingo, 15 de março de 2015

O Último Segredo de Da Vinci. David Gutierrez. «Era o ‘Divino’ Leonardo Da Vinci, que contava então com 50 anos e trabalhava como engenheiro militar, ao serviço de César Bórgia. Leonardo reflectia sobre uma nova ordem de seu patrão…»

jdact e wikipedia

O enigma do Santo Sudário. 1502. Florença
«A luz transparente da manhã fazia cintilar a água da fonte que ficava no centro da Piazza delta Signoria, em Florença; essa mesma praça que, alguns anos antes, havia presenciado a morte na fogueira do iluminado Savonarola e que abrigaria orgulhosa, pouco depois, o colossal David, de Michelangelo. Passeando em volta da fonte, um homem impecável e elegantemente vestido, com uma ampla túnica rosada, parecia estar absorto em seus pensamentos, alheio à agitação da praça, ao som das rodas das carruagens nos paralelepípedos, às vozes dos mercadores e das vendedoras, ao movimento dos funcionários do Palazzo Vecchio e da Logia delt'Orcagna. Distinguia-se por seu tamanho, e a barba prateada que ostentava inspirava respeito, que era acentuado pela expressão de seu rosto, de rara beleza, pelo seu olhar profundo e seu caminhar majestoso. Era o Divino Leonardo Da Vinci, que contava então com 50 anos e há vários meses trabalhava como engenheiro militar, a serviço de César Bórgia. Leonardo reflectia sobre uma nova ordem de seu patrão, uma obra de difícil execução e complexa, que ficava entre a arte e a ciência. A confiança de Bórgia nas suas aptidões era grande, já que havia conseguido planear com êxito a defesa das fortalezas que aquele possuía em Roma. Mas isso era muito diferente, uma incumbência que devia ser mantida sob o maior sigilo e que Leonardo não estava certo de poder cumprir.
À medida que o sol de fim de Verão, esplendoroso, desenhava seu arco sobre o horizonte, o movimento da praça ia diminuindo. Era meio-dia, e quase todos estavam almoçando ou descansando do trabalho da manhã. Mas Leonardo seguia, imperturbável, dando voltas tranquilas ao redor da fonte, com o olhar longe, sossegado, perdido em lugares muito distantes. Subitamente, o Divino levantou os olhos, muito abertos, na direcção do Astro Rei. As suas pupilas se contraíam ao receber a fúlgida luz. Deslumbrado, virou os olhos, baixando a cabeça, e os fixou no piso da praça. Manteve-se imóvel por alguns instantes e depois saiu correndo. Suas passadas eram largas; teve de levantar a túnica com as mãos para que não tropeçasse nela e caísse. No seu rosto, a expressão de um menino entusiasmado. Atravessou a praça, passando em frente ao Palazzo Vecchio e deixando para trás os grandes arcos da Logia, e dirigiu-se a toda velocidade a seu ateliê, situado muito perto dali. Quase foi atropelado por uma carruagem ao virar a esquina, mas nem isso o deteve. Parecia possuído, talvez pelo génio criador de um artista incomparável. E, ainda que costumasse parecer tranquilo, sereno, sempre pensativo, quando uma ideia com a força de uma torrente o invadia, era capaz de comportar-se como um rapazote.
Às vezes, no seu trabalho, a energia parecia tomar conta dele, enquanto em outras ocasiões passava horas e horas, até mesmo dias, num estado contemplativo. A inspiração era metade de sua genialidade; a outra metade, a reflexão intelectual. Por isso havia adquirido fama de artista lento e parcimonioso, o que demonstram os três anos investidos em pintar sua obra-prima, a Santa Ceia, em uma parede do refeitório de Santa Maria delle Grazie, em Milão. Uma semana antes, César Bórgia o havia feito ir até Roma. Apesar de Leonardo estar a serviço dos Bórgia, que não eram muito populares em Florença, ele conseguira permissão para viver na cidade que era tão próxima a Vinci, sua cidade natal. No meio da noite um emissário o despertou com uma mensagem de César: deveria acompanhá-lo imediatamente, sem perder tempo com preparativos. Leonardo tinha um espírito afável, porém reservado e independente, e por isso sentia-se contrariado quanto tinha de atender aos caprichos dos diferentes patrões para quem trabalhara ao longo de sua vida. E César Bórgia era, além disso, uma figura intrigante. A auréola que o rodeava e a fama dos terríveis crimes que possuía faziam estar sempre alerta quem se relacionasse com ele. Era difícil saber o que se passava na sua mente, já que o seu rosto nunca expressava as suas íntimas e verdadeiras intenções. Podia estar sendo devorado pelos lobos e, ainda assim, sorrir e disfarçar a dor; um homem brilhante e perspicaz, que, não obstante, raras vezes se comportava com autêntica naturalidade, sempre oculto sob a impassível máscara da astúcia e do cinismo.
Quando Leonardo chegou a Roma, foi conduzido directamente ao palácio do Vaticano, residência do Sumo Pontífice. Ali, César e seu pai, Rodrigo, papa com o nome de Alexandre VI, o esperavam com impaciência. Naquela época, a fama de Da Vinci já era grande na Itália, França e no restante da Europa. Todos o apreciavam como artista magistral e competente engenheiro, sendo que num sentido moderno quase poderia ser considerado o pai da engenharia. E, ainda que a admiração de seus contemporâneos não o envaidecesse, fazia com que fosse tratado com profundo respeito. Por isso, os Bórgia demonstravam consideração e amabilidade, tratando-o com delicadeza, algo que não costumavam fazer com a maioria de seus servidores ou protegidos. A agitação dos dois cabeças da poderosa família se devia a um facto ocorrido nos dias anteriores, instigado por eles mesmos tempos atrás, mas que tivera um resultado repentino e inesperado. César havia tomado conhecimento, em livros e documentos que estavam guardados na Biblioteca Vaticana, de lendas que relatavam os poderes do mítico Sudário com a imagem de Jesus, o Lençol no qual o humilde galileu fora amortalhado após morrer na cruz e no qual havia estado envolvido, segundo as Escrituras, duas noites e um dia antes de sua ressurreição. Desde a metade do século XV, o tal sudário encontrava-se sob possessão de uma das dinastias italianas mais poderosas, os Sabóia, que, após um rande número de disputas, o haviam recebido como legado de seus anteriores curadores, os franceses Charny. César queria ter o Sudário para si, o símbolo protector que conservaria e aumentaria seu poder e talvez apagasse os vestígios de suas atrocidades». In David Zurdo Ángel Gutierrez, O Último Segredo de Da Vinci, O enigma do Santo Sudário, Editora Novo Século, 2005, ISBN 858-891-696-7.

Cortesia de ENSéculo/JDACT