Equívocos,
distracções e disparates que desmoronaram impérios, arrasaram economias e
alteraram o rumo do nosso mundo
Prioridade
Errada. A família em vez do futuro. 1001
«(…)
A designação Eric, o Vermelho, é mais
amena e mais adequada no âmbito escolar. Eric, o Sangrento, arranjou
maneira de ser condenado ao exílio na Islândia e, depois, a um único local
dessa pequena ilha. Mas mesmo depois de matar vários vizinhos, no que devem ter
sido conflitos sobre limites de propriedades que podiam ser facilmente
resolvidos, o homem ainda teve carisma suficiente para mobilizar um grupo de apoiantes
e levá-los ainda mais para oeste. Onde foram instalar-se numa ilha a que
chamou, mais para efeitos de relações públicas do que correspondendo à
realidade, Terra Verde, ou, em inglês, Greenland,
que originou depois a designação Gronelândia. O nome manteve-se, no
entanto.
A
colónia teve Eric, o Sangrento, como
líder incontestado e, pelo menos aí, ninguém o poderia banir outra vez. Durante
algum tempo, os colonos prosperaram e Eric criou um filho e uma filha. O filho
chamou-se Leif Ericson (em inglês, filho de Eric) e a filha Freydis
Eiriksdottir (filha de Eric). Leif foi também chefe e explorador. Quando
chegou à idade apropriada, organizou uma expedição e fez-se ao mar para viajar ainda
mais para ocidente. É natural que Leif tenha ouvido relatos de uma terra fértil
e rica, situada mais a oeste, da boca de comerciantes e de pescadores nativos.
E depois de uma viagem surpreendentemente breve por mar o grupo de viquingues
desembarcou no que lhes deve ter parecido uma paisagem verdejante, vindos da
gelada Gronelândia. Leif chamou-lhe Vinlândia, ou terra fértil. De acordo com os
costumes viquingues, resolveram tomar como a sua a terra onde haviam chegado.
Os seguidores de Leif tornaram-no bem evidente ao lançarem-se na construção de
uma aldeia com casas de pedra. Estas acções inquietaram os habitantes locais, que
acabaram por atacar os colonos, conseguindo fazê-los recuar até aos seus
navios. Como já se aproximava o Inverno, os viquingues regressaram à Gronelândia.
É nesta altura que ouvimos falar pela primeira vez em Freydis, cuja ira
mudou o curso da História. Neste ponto, ela é uma heroína, a lutar na rectaguarda
dos viquingues em fuga e a ajudar a manter à distância os muito mais numerosos
americanos nativos, os índios, até os barcos se poderem fazer ao mar. As
mulheres, em especial as filhas dos viquingues das classes mais elevadas, eram
treinadas no uso de armas. Os homens de uma aldeia podiam estar todos ausentes
durante várias semanas, a ocupar-se dos seus ataques, e era quase uma
necessidade que as mulheres soubessem usar as armas.
Eric,
o Sangrento, morreu pouco depois de
os dois filhos terem regressado da Vinlândia. Leif sucedeu-lhe como
soberano da Gronelândia e ficou sem tempo para se dedicar a explorações. Mas a
Vinlândia não ficou esquecida, e foi organizada uma expedição, desta vez mais
forte, para aí regressar. Foram também em maior número os barcos que partiram
desta vez para oeste, e o caminho, além disso, já era conhecido. Pode ter-se
dado o caso de alguns navios terem partido mais cedo, mas todos eles viajavam a
velocidades diferentes, por isso, alguns chegaram em primeiro lugar.
Infelizmente para duas dessas famílias, o barco em que viajavam chegou antes do
de Freydis. Havia outra tradição entre os viquingues: em terras
abandonadas pelos seus habitantes, os primeiros a chegar é que escolhiam as
casas. Normalmente, seriam casas de saxões ou de britânicos, abandonadas pelos
seus proprietários, mas a regra também era aplicável na Vinlândia.
Portanto,
quando Freydis chegou ao local onde se tinha portado como uma heroína,
houve um problema. Ela era filha e irmã de reis e a heroína da retirada. Era
evidente que Freydis já estava pronta a reclamar como sua a maior e,
possivelmente, a mais bem construída das casas de pedra. Mas as duas famílias
que haviam chegado mais cedo já lá estavam. E Freydis ordenou-lhes que saíssem.
Os ocupantes disseram que não. Tinham a lei a seu favor. Terá provavelmente
havido urn confronto sério e devem ter sido ditas coisas muito infelizes. E
acabou tudo com Freydis e, possivelmente, os seus guardas pessoais a matarem os
dois homens que se encontravam nessas casas. Isto não era bom, mas estaria,
aparentemente, dentro dos limites aceitáveis para o comportamento da filha de
Eric, o Sangrento, em 1001. Convém que nos lembremos de que a
tradição dos viquingues era de violência e de que o irmão dela era o rei. O problema
é que Freydis não se ficou por aqui e ordenou aos que a acompanhavam que
matassem também as mulheres e os filhos dos dois homens. Quando eles se recusaram
a obedecer, Freydis pegou num machado e tratou ela própria do assunto. Foi uma
demonstração de ira bem à maneira do pai. O assassínio de mulheres e de
crianças era também altamente ilegal, mesmo entre os viquingues.
A
colónia não estava a começar bem. No Outono, obedecendo talvez a algum plano,
regressaram todos à Gronelândia. E o irmão de Freydis, que também era o rei
dela, ficou em má posição. À face da lei, ela era uma assassina. Como acontece
nas sociedades muito bem armadas, os viquingues levavam a lei muito a sério.
Matar homens era uma coisa, mas matar as suas famílias já era excessivo. Nunca
havia muitos viquingues, e as mães e os filhos eram objecto de grande
apreciação. Leif devia tê-la executado, porém, se o fizesse, daria origem a
outra complicação. Para contrariar a falta de irmãos numa sociedade tão ambiciosa
e violenta, havia também leis estritas sobre o assassínio de pessoas da própria
família. Leif teria de acabar por violar a lei, fizesse ele o que fizesse. Todavia,
se violasse a lei, haveria uma boa hipótese de ser deposto e banido. Por isso,
Leif decidiu-se por um compromisso: Freydis foi condenada ao exílio e expulsa da
Gronelândia. E depois Leif ordenou que nunca mais ninguém regressaria à
colónia nem dela falaria. O incidente foi todo ele abafado. E, na realidade, os
viquingues nunca mais regressaram à Vinlândia. Passaram cinco séculos
antes que a Europa descobrisse
outra vez a América». In Bill Fawcett, 100 Mistakes That Changed
History, 2010, Os 100 Grandes Erros da História, tradução Pedro Rosado, Clube
do Autor, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-724-023-2.
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do CAutor/JDACT