«O importante não é aquilo que
fazem de nós, mas que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós». In
Jean.Paul Sartre
«…) Importa que sobre o cortejo ninguém se pronuncie sem que primeiro
lá se acorra. Não se diz lá se acorra no literal acto físico de acorrer, mas no
rumo romanesco do relato, que de romance falámos, não há na História Universal
estória que empece sem que apreendamos minimamente o porquê de estar ali,
naquele local, naquela hora,
apreendamos, Mariana Silveira, que de mais nomes, e ela os tem, não e
faz requisito, e mesmo o apelido só se apresenta porque seu Pai, o coronel José
…, ficaria vexado se seu nome de família não aparecesse neste escrito, pois os …
são pessoas de garbo e estima pelo que de seu é, quitemo-nos a esses caprichos
mundanais já que sua tenção foi satisfeita, senão note-se, para quem tem o
arrazoamento em algum desuso, algumas setenta palavras atrás, o apelido que
escolta o belo nome de sexo libidinoso Mariana, a mulher desta história , a
donzela da lindeza mais prodigiosa que orna a nação, que nasceu no ano do
Senhor de mil novecentos e trinta e três, poucos mais se passaram desde esse,
apenas dezoito para se dar precisão ao texto, já que ninguém gosta de enxergar
pouco e ainda menos de nada saber e, neste regime de Deus, Pátria e Família,
não há lugar a ditos dúbios, há vinte cinco Maios que assim é e mais virão,
outro se abeira porque o Inverno está a findar e o ano ainda há pouco se
estreou, e não se falará mais nisto por ora, já que a Lei da Cesura e da
Tesoura não tem tez rogada e há sempre ignaros que lêem Hamlet e Ser ou não
ser?, eis a questão, que bufar é sempre bom e versejando vamos indo de encontro
ao Tarrafal, pois não engenharam arca ou cofre a que se possa dizer que nunca
será arrombado ou não fosse um pé-de-cabra sempre mais teso do que qualquer aloquete,
ferrolho ou cadeado e a escrita pode tirar a comida e a bebida a quem não se
controle, Mariana é e será o nosso assunto, perdoe-nos o nosso coronel José …,
já íamos resvalando, Mariana é … para o mal e para o bem e penitenciamo-nos do
nosso descuido agradecendo ao senhor que nos dá o pão e a quem o nosso coronel
venera, viva o Doutor …, (maldito, para mim),
viva Portugal.
Mariana … nasce em noite aguarenta, daquelas que parecem confiadas a
filmes de um Bela Lugosi, à que nem o coruscar e trovão do secular falta, também
foram convocados ou não seria uma noite de invernia realmente veraz. O padrinho
chega no seu carro, um arreio usufruto de pessoas realmente abonadas em matéria
de fortuna, coisa que não é para qualquer um, caminha até à porta e bate três
vezes, uma e outra e a seguinte, o mordomo abre com aprumo institucional que é
para isso que não lhe pagam, comida e dormida é um pagamento digno de um patrão
generoso, argumentara uma vez o nosso coronel e há-de dizê-lo mais vezes porque
se bem não lhe fica, mal também não, voltando ao padrinho que dá pela graça de
Cosme, nome pouco lhano para quem se intitula conde de uma terra qualquer do
Norte do país, bisneto de um tal Afonso, que os houve seis em todo o reinado de
Portugal e se este não foi rei é porque não pôde ou a coroa não seria um bem a
que todos almejamos e mais não se fale de monarquia, não tivesse esta morrido
no ano dez depois de mil e novecentos, se o homem é conde que o seja porque se
bem não lhe fica, mal também não. Entre então dom Cosme nesta nossa humilde
casa, há-de dizer o mordomo que esse não carece de título ou nome, entra então
o conde Cosme, tira o chapéu escorrido e o casaco a escorrer e entrega-os ao mordomo.
Como vai Vossa Excelência?, há-de perguntar o serviçal.
Vou bem muito obrigado, respingará o outro e para final de conversa
porque mordomo é arraia pequena perguntará: Onde está o meu compadre? No salão
de leitura, anunciará o mordomo e acaba aí a conversa, um dirige-se para o dito
salão e o outro para a copa, aí quem manda é ele, em algum bem somos reis, nem
que seja na cozinha ou na mulher, regozijar-se-á da sua posição hierárquica e
só não esfregará as mãos orgulhoso porque nelas vão o chapéu escorrido e o
casaco a escorrer de dom Cosme, deixá-lo ir porque se bem não lhe fica, mal
também não. O nobre, esse, caminha pelo longo corredor do solar, fazia muito
que não vinha à quinta, maldiz da decoração, ou porque os móveis são
centenários, taludos, faustosos e escuros ou porque os lustres dispersam
cristais fingidos pelo tecto, são niquentos, jarretas e austeros e, se caíssem
esmagariam pela certa o caminheiro, mal-aventurado, podia até ser dom Cosme,
que bom, queremos dizez que desprazer, adiante, chega dom Cosme ao dito salão,
que de salão pouco ou nada tem, sala seria o termo ajustado, mas o grande português
tem perrice por aumentos e faz sempre maior aquilo que nem altura tem. Como vai
meu coronel?, houvera de saudar o conde. Olha quem ele é!, espantara-se o coronel
mostrando agrado». In Luís Miguel Rocha, Um País Encantado, Planeta Editora, Lisboa, 2005,
ISBN 972-731-176-8.
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