NOTA:
[…]
«Às
vezes as explicações para as coisas que parecem complexas à partida são bem
mais simples. Tal como refere a Visitação de dom Jorge de Lencastre, em 1517 existiam no local duas capelas. A
que mandara construir dona Betaça.ou dona Vataça Lascaris e a que mandara fazer
o almirante das Índias, Vasco da Gama, após a sua épica viagem. E em ambos os
locais de culto se venerava a padroeira dos homens do mar. Parece que o
almirante pretendia que a capela de dona Vataça ruísse de uma vez por todas e apenas
ficasse a nova capela, por si mandada construir. Mas o Mestre da Ordem de
Santiago não estava pelos ajustes e na tentativa de impedir que Vasco da Gama
construísse o seu palácio em Sines, cujas obras já havia iniciado sem
autorização da Ordem, mandou que se reconstruísse a velha capela da princesa
grega. O que dá a ideia que a imagem da Santa Padroeira possa ter circulado
entre as salas das duas capelas, em função das circunstâncias. Se o almirante ou
algum familiar estivesse por perto, as imagens e as devoções seriam na capela nova.
Se por perto estivesse o Mestre da Ordem de Santiago ou quem o representasse, o
culto far-se-ia na capela velha. E daí
a denominação popular de Senhora das Salas, por simplesmente ser uma Santa com
liturgias nas duas salas.
Esta
terá sido mais uma das guerras pessoais entre Jorge de Lencastre e Vasco da Gama
por causa do Senhorio de Sines, uma vez que Vasco da Gama exigia ao rei Manuel I
que o fizesse o mais importante fidalgo de Sines, como lhe fora prometido antes
da viagem à Índia, enquanto o Mestre da Ordem de Santiago e seu sobrinho o não
permitia. Esta disputa pessoal terminaria com a expulsão do Gama de Sines e com
o embargo da construção do palácio que o navegador já havia mandado construir.
Mas essa é outra história interessantíssima. Certo parece ser a origem do nome
da capela, que reside inequivocamente no iminente naufrágio, no desembarque e
no salvamento da princesa grega de toda a tripulação da nau em que navegava,
perto de Sines, naquele Outono de 1314.
Chamemos-lhe pois ermida ou capela de
Nossa Senhora das Salvas, a meu ver seu nome original. Aguçada a curiosidade
e aceitando o desafio da procura da verdade possível sobre dona Betaça, ou
melhor, dona Vataça Lascaris, fui descobrir coisas maravilhosas sobre esta
mulher e princesa». In Francisco do Ó Pacheco
«Noite
medonha. O astro mudo mal se distinguia por entre rajadas de vento e chuva que
pulverizavam a atmosfera com brutalidade indomável. Por todo o lado só existia água
como se subitamente os vastos céus se quisessem unir de novo à terra para reiniciar
o caos original tal como era antes de Anaxágoras, o filósofo grego do
século V a.C. que descobriu o Nous ou a inteligência a que chamou o
intelecto motriz que formou o mundo e lhe deu ordem. Como uma pequena folha à
deriva, a embarcação que fora apanhada pela tempestade em plenas águas atlânticas
era um joguete daquelas forças colossais que ora se levantavam como negras
montanhas, que pareciam querer espetar os céus, ora se fechavam em vales
aterrorizantes que pareciam tudo querer engolir. Há uma reverência em todos os
homens, lobos-do-mar em particular face à majestade da mãe natureza, sobre
oceanos e mares, que é uma espécie de êxtase, que vai do puro medo ao
deslumbramento e à adoração. Era isso que acontecia ao capitão e à tripulação
daquela nau, nessa noite. Perscrutavam a bruma que chicoteava os seus rostos
impiedosamente tentando descobrir algum sinal de terra por mais ténue que se
manifestasse. Sabiam que tudo estava praticamente perdido e à mercê do pavoroso
mar. Esse mar, feroz e traidor, indiferente e sábio, que o experiente capitão
grego Diógenes Patrai tinha heroicamente cavalgado toda a sua existência numa
ligação promíscua de amor e ódio». In Francisco do Ó Pacheco, Vataça, A
Favorita de Dom Dinis, Prime Books, 2013, ISBN 978-989-655-183-4.
Cortesia
de PBooks/JDACT