sexta-feira, 6 de março de 2015

A Data de Nascimento de Afonso Henriques. Abel Estefânio. «No caso em análise, 18 de Fevereiro de 1162, o dia da semana assinalado (sexta-feira), estaria dois graus afastado do dia em que, de facto, ocorreu (um domingo). Seria mais remota a possibilidade de o autor anónimo ter errado em um grau»

Pormenor da Vita Theotonii (m. Santa Cruz) 
 Cortesia de wikipedia

«(…)
Sobre a data em que São Teotónio morreu
Ao longo da sua vida, S. Teotónio desempenhou o papel de colaborador espiritual de Afonso Henriques. Diz a sua biografia que o rei, quando soube da sua morte, teria dito: antes estará a sua alma no céu do que o corpo no sepulcro. A data da morte de S. Teotónio em 18 de Fevereiro de 1162 merece actualmente o consenso generalizado de todos os historiadores. Poderá assim parecer ocioso determo-nos na análise dos elementos de prova. Penso, contudo, que merece a pena fazer esse percurso, pois, embora o último documento de que dispomos do prior Teotónio seja de 1162, isso, só por si, não nos permite concluir com segurança que não tenha vivido para além dessa data. A informação associada à data em que S. Teotónio morreu, que consta do último parágrafo do texto da Vita Theotonii, vai ser o nosso ponto de partida para a construção de uma hipótese que explique a divergência das fontes acerca do ano de nascimento do rei.

O lapsus calami do dia da semana
O facto de a pontuação de todo o parágrafo estar reforçada a vermelho na primeira letra de cada frase, situação que é excepcional no texto, permite-nos intuir o cuidado envolvido na compilação dos elementos cronológicos aí expressos. Apesar disso, encontramos um problema associado ao dia da morte de S. Teotónio. Para a sua análise detalhada, começamos por tomar a primeira frase dessa cronologia que Aires Nascimento verteu para português do seguinte modo: Adormeceu na consciência de ter vivido bem e dos prémios dos méritos, no dia décimo segundo antes das calendas de Março, a um sábado, à primeira hora do dia, aquela em que Cristo ressuscitou. Conforme se vê, onde no texto original estava feria VI (sexta-feira), Aires Nascimento considerou dever tratar-se de feria VI[I] (sábado). A correcção proposta resulta de o dia da semana indicado no texto do manuscrito não corresponder ao dia do mês desse ano. Com efeito, segundo as tabelas de Cappelli, diz A. Nascimento, aquele dia recaiu num sábado. Trata-se, porém de um equívoco: as tabelas mostram que esse dia foi um domingo. O dia XII das kalendas de Março, 18 de Fevereiro, seria, de facto, um sábado se o ano fosse bissexto. Todavia 1162 foi um ano comum. A. Nascimento deve ter confundido as colunas da tabela, tomando a dos anos bissextos pela dos anos comuns. Fê-lo na convicção de que resolveria assim uma contradição aparente do texto, pois que no fólio 19 assinala-se que Teotónio é surpreendido pela morte: Cum nos septima sabbatti post matutinos seniorum copiosius benediceret, repente super humerum caput paululum inclinauit.
A septima sabbati viria confirmar a datação da morte num sábado (feria VII), como sétimo dia, o dia do descanso divino, e acha menos plausível a manutenção da designação dos dias da semana por um esquema directamente numérico. Com efeito, parece que, ao considerarmos que 18 de Fevereiro de 1162 foi um domingo, teríamos de assinalar uma contradição com a expressão septima sabbati. Penso, todavia, que esta expressão se limita a associar a morte de Teotónio ao dia do descanso divino do calendário judaico. Entendo assim que não se pretendeu nomear o dia da semana, pois nesse caso, certamente seria usado o nome do calendário do papa Silvestre sabbatum em vez do hebraico septima sabbati. Como seria de esperar, no que se refere à forma de indicar uma sexta-feira no texto, verificamos haver uniformidade de critério.
Existe ainda um outro aspecto na mesma citação que merece a nossa atenção. Aires Nascimento substituiu na frase acima citada seniorum por mortuorum pensando tratar-se de um momento das matinas. Sobre este aspecto específico, a tradução quatrocentista da Vida de S. Teotónio com o título de Vida do bem aventurado Padre S. Teotónio primeiro prior que foi no mosteiro de Santa Cruz apresenta um alternativa que merece a pena referir: hũa sesta feira, depois de matinas, inclinou depressa hũ pouco a cabeça sobre hũ ombro, de hũ dos velhos, e mais copiosamente lancaua a bençaõ Tomando a tradução de seniorum por velhos e a nossa interpretação sobre a natureza figurativa de septima sabbati como dia do descanso divino, estamos em condições de propor uma nova tradução para a frase como um todo: Como no dia do descanso divino, e depois de nos ter dado a bênção mais profusamente, de repente, inclinou a sua cabeça um tanto sobre o ombro de um ancião. A análise do problema do dia da semana fica assim restringida apenas ao último parágrafo da Vita Theotonii. É oportuno referir que existe um número considerável de desvios de um grau na ordem da féria em documentos medievais, podendo ter origem no autor ou no copista. No caso em análise, 18 de Fevereiro de 1162, o dia da semana assinalado (sexta-feira), estaria dois graus afastado do dia em que, de facto, ocorreu (um domingo). Seria mais remota a possibilidade de o autor anónimo ter errado em um grau, por defeito, fixando um sábado onde era um domingo, e um copista, cumulativamente, ler no original feria VII e escrever feria VI». In Abel Estefânio, A Data de Nascimento de Afonso I, Medievalista, nº 8, 2010, Instituto de Estudos Medievais, direcção de José Mattoso, ISSN 1646-740X.

Cortesia de Medievalista/JDACT